TERRA A DENTRO
Múltiplos
interesses levam-nos a nós, humildes redatores desta folha, a empreendermos
pequenas excursões ao interior deste velho e amado Brasil.
Vivendo do
altar e para o altar, presumindo dever cumprir, bem ou mal, a nossa missão, a
ela corremos, senão com os cinco talentos da parábola, ao menos com aqueles
dois, ou com o único que deve por em giro e a render o servo que não quiser ser
condenado pelo Senhor por havê-los guardado debaixo da terra.
Demais,
fica-nos como centelha sob as cinzas dos janeiros já passados, do fracasso das
desilusões, e cuidados quotidianos por vezes tão amargos, um decidido amor por
esta esplêndida natureza de nosso torrão natal, tão belo, tão variado, tão
majestoso na vastidão de seus campos nunca taciturnos pela desolação dos
desertos arenosos e estéreis; das nossas montanhas ricas de sua flora soberba e
incomparável; dos nossos rios a banharem ora os campos cobertos de cultura, ora
as embrenhadas florestas que fazem recordar o selvagem primitivo, ora essa
multidão do cidadezinhas, que tanto se vão transformando e mudando de caráter
ao passo que o grito da locomotiva, e o cheiro do carvão de pedra vão atirando
para o esquecimento o poético espetáculo das tropas e comboios tradicionais,
que acordavam os ecos da floresta com o tritinar das campainhas da madrinha, e
o canto semibárbaro do arrieiro que conduzia as caravanas carregadas dos
produtos da primitiva lavoura.
Deixemos os
cento e muitos quilômetros da estrada de ferro Central, com suas grandes
estações de Belém, Barra, Entro Rios e Serraria; deixemos a Leopoldina
sumindo-se nas sinuosidades de sua estreita bitola na garganta dos morros
cobertos do cafezal mineiro; figure o leitor uma via férrea microscópica, cuja
bitola é apenas de algumas polegadas, e o wagon
um caixãozinho artisticamente feito, e dividido em dois compartimentos para a
primeira e para a segunda classe no mesmo edifício, faça-a percorrer apenas a
extensão de quatro quilômetros, rangendo e silvando como pequeno baixel em mar
agitado e grosso, mas comodamente, e sem produzir enjoo, e terá ideia da viagem
que nos conduz da estação das Bicas para a pequena, mas interessantíssima
cidade de Guarará, centro de Minas, região da Mata.
Como todas as
povoações mineiras, que temos tido a felicidade de visitar, Guarará estende
suas ruas, por vezes elegantes, ao longo do seio tortuoso de quatro grandes
morros, outrora cultivados pelo café, mas hoje completamente descobertos,
passando à categoria de pastos, onde se vêm, de longe, moverem-se as vacas
tosando a gramínea que lhes cobre o avermelhado solo, donde surgem, em variados
sítios, árvores colossais, que escaparam ao machado devastador dos antigos
descobridores.
Não é de certo
Guarará uma das mais antigas povoações de Minas, a contar pela idade de sua
grandiosa igreja matriz, que remonta muito pouco além de meio século.
Essa matriz é
um templo majestoso, de sólida construção, embora pouco elegante seja seu
estilo.
Ultimamente, as
duas paredes laterais têm cedido alguma coisa da linha do prumo, o que já
dispôs o espírito religioso de seus filhos a empreenderem conserto radical.
No alto de uma
elegante colina alveja, solitária e poética, a elegante capelinha de Nossa Senhora
do Rosário, cuja festividade teve lugar ali no último domingo, 15 de Setembro,
com o maior brilho possível.
O dia estava
esplendido, e tudo concorreu para abrilhantar aquela festa, um dos muitos atos
do culto que nunca sofre mínima quebra no religioso espírito dos mineiros.
O elemento da
humilde classe dos trabalhadores do campo, os numerosíssimos cidadãos libertos,
tomam nessa festa parte vivíssima, juntando aos festejos externos do templo,
aqueles tradicionais divertimentos, misto de religião e simples poesia dos
antigos costumes do povo de origem.
A Congada é
uma espécie de melodrama acompanhado de danças, e instrumentos das musicas
africanas, das quais ainda se acham esses vestígios vivos e talvez imorredouros
nos trabalhadores de cor, descendentes daquele gênero da primitiva colonização.
Foi assim, que
em plena republica três majestades genuinamente brasileiras compareceram à
festa: o imperador e a imperatriz do Divino, e um respeitável rei do Congo, com
seus ministros, generais s coorte, que deram audiência e receberam embaixadas
na frente do templo, depois de finda a cerimônia religiosa.
Ao cair da
tarde teve lugar a procissão, lindo e edificante espetáculo de uma fila de
fieis que seguiam os andores, ocupando em seu desfilar nada menos de meio quilômetro
literalmente cheio de povo.
Ao recolher da
procissão teve lugar o Te Deum,
havendo sermões ao Evangelho e à noite.
Há aqui uma
nota a consignar para gloria de Deus, e honra do devoto povo mineiro.
Perguntamos se
já não havia ali aparecido emissário das falsas seitas, que tem tentado
estabelecer-se em tantos lugares de nosso país.
Nada: nem
noticias dos apóstolos do erro naquelas felizes paragens, onde a lavoura e o
comércio local vivem tranquilos, sem outra alteração mais do que um pouquinho
desses arrancos políticos com que nos querem fazer felizes desde a capital até
os mais remotos sertões, os patriotas que não podem conter o excessivo amor e
desejo de se consagrarem de corpo e alma aos puros interesses populares, pelos
quais são capazes de dar até a própria ultima gota de seu sangue.
O povo
mineiro, os pacíficos agricultores, o comércio modesto daquelas localidades já
não sabem como agradecer aos políticos tanta paz, harmonia, cordialidade, ordem
e progresso, que seu patriotismo tem levantado por todas as partes!
Tirassem a
política dos políticos, e a seca, o as inundações, e a selvageria, e os ódios,
o os carrapatos invadiriam tudo.
Muito, muito
vai o Brasil devendo à política dos tempos atuais.
E apesar de
tudo, em lugares como Guarará, vive tudo feliz o risonho no seio da mais
abençoada abastança, oferecendo a Deus as primícias do seu honrado e
honestíssimo trabalho.
Quanto a nós,
voltamos gratíssimos do dia e meio que nos foi permitido conviver com o honrado
povo guararaense.
As nossas
saudades.
Jornal "O Apóstolo", ANNO XXXI, N.º 105
Quarta-feira, 18 de Setembro de 1895







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