O Quincóte
(Perfil contemporâneo)
Naquele
rapazelho gorducho e de voz ritmada e pausada, à maneira de um monjolo da roça,
já se adivinhava e entrevia o futuro Quincóte, como ele havia de ser,
parlapatão e cheio de bravatas, pensando reinar em Séca, em Méca e Olivais de
Santarém.
No seu pensar
e no seu entender, quando homem feito, tudo havia de levar de vencida e ser
Napoleão, sem Waterloo, Kaiser, sem Marne, sem [Joseph] Joffre e sem
[Ferdinand] Foch.
Não eram os
seus méritos que faziam com que assim se julgasse, em causa própria: a sua vaidade
e filáucia alarmantes, extensas como o vasto oceano, é que o impeliam para
esses esplendidos pensamentos em que, belo e grande, se via e revia - Narciso
no espelho brilhante e na face pálida e cristalina das águas.
Bem-aventurado
Quincóte!
Bem aventurado,
sim, porque estava predestinado a ver sucessos, nos insucessos que
conquistasse; serviços, nos desserviços, que, por ventura, prestasse à sua
terra e triunfo nos apodos que sofresse.
Se acontecia
acertar de uma feita, o que lograva uma vez em um milhão delas, então todo se retorcia,
à maneira de sapo, aos primeiros raios do sol da manhã, ou à guisa da gia que
tentou crescer até à altura do boi, com... guiso.
Bem-aventurado
Quincóte!
Ao entrar na
vida prática, dando a ler as linhas das mãos, lhe foi dito: Excelente coração
em um corpo, cujo cérebro é de inteligência notada e notável. Cavalgado por
tantos e por todos, há de ser dirigido por atalhos, desvãos, desfiladeiros e
vielas escusas, de modo tal que não poderá saber para onde vai, ficando
hesitante e perplexo, como o asno de Buridan, entre os dois apetitosos feixes
de capim de igual verdura e frescura.
Não lhe calou
a profecia e nem nela acreditou, como em nada cria, senão no que o exaltasse e
o levasse ao sétimo céu.
*-*-*
Dobrados os
50 janeiros, realizou-se a predição, em todos os seus turnos.
A megalomania
e egolatria acresceu o gosto da oratória, que era um prazer ouvi-lo.
Presidente de
tudo, certa vez, falando às massas, declarou que os bonds deveriam andar por sobre os trilhos de ferro, as andorinhas
deveriam fazer os ninhos nas beiras dos telhados, que a chuva deveria regar a
terra e o sol aquecer as plantas; que o Maripá e Guarará deveriam ser sedes de
dois distritos e que nas Bicas, além de tudo, teria de residir o poder dos
poderes, o nec plus ultra da
soberania.
O Quincóte,
já então Coronel, o gosto da oratória, que passou ao filho, de melenas caídas,
pernóstico a valer, que, na sua estreia, fez o panegirico paterno, comparando-o
à saracura dos brejais e alagadiços que, metida na água dos pântanos, tem a
vista interceptada pelo emaranhado dos arbustos.
Bem-aventurado
Quincóte!
Quando lhe
mordem no calcanhar os rafeiros da politicalha e da politiquice, sente que lhe
beijam a fronte, tão cândida e angélica!
Quando lhe
tirarem o bastão de chefe da filarmônica cá da terra; o que breve há de se ver,
pensará que é para lhe darem a regência da orquestra do Municipal!
Oh! salve
tanta ingenuidade!
Se vota em
candidato alheio, crê que o faz no seu!
Se, à fina
força, retira candidato seu, crê que o fez sport
sua!
Se tiver
execução conhecido trecho bíblico, irá direitinho para o céu e de mãos postas!
A tua santa
simplicidade, meu Quincóte, fará de ti, em vez de bípede liró, de frack e chapéu panamá, um redondo,
ridículo, más feliz quadrúpede.
NENGUNUS
Jornal "O
Guarará", ANNO III N.º 29, pgs. 2 e 3.
Guarará, 1 de
janeiro de 1920.







0 comentários:
Postar um comentário