terça-feira, 5 de novembro de 2013

O QUINCÓTE

O Quincóte
(Perfil contemporâneo)

Naquele rapazelho gorducho e de voz ritmada e pausada, à maneira de um monjolo da roça, já se adivinhava e entrevia o futuro Quincóte, como ele havia de ser, parlapatão e cheio de bravatas, pensando reinar em Séca, em Méca e Olivais de Santarém.
No seu pensar e no seu entender, quando homem feito, tudo havia de levar de vencida e ser Napoleão, sem Waterloo, Kaiser, sem Marne, sem [Joseph] Joffre e sem [Ferdinand] Foch.
Não eram os seus méritos que faziam com que assim se julgasse, em causa própria: a sua vaidade e filáucia alarmantes, extensas como o vasto oceano, é que o impeliam para esses esplendidos pensamentos em que, belo e grande, se via e revia - Narciso no espelho brilhante e na face pálida e cristalina das águas.
Bem-aventurado Quincóte!
Bem aventurado, sim, porque estava predestinado a ver sucessos, nos insucessos que conquistasse; serviços, nos desserviços, que, por ventura, prestasse à sua terra e triunfo nos apodos que sofresse.
Se acontecia acertar de uma feita, o que lograva uma vez em um milhão delas, então todo se retorcia, à maneira de sapo, aos primeiros raios do sol da manhã, ou à guisa da gia que tentou crescer até à altura do boi, com... guiso.
Bem-aventurado Quincóte!
Ao entrar na vida prática, dando a ler as linhas das mãos, lhe foi dito: Excelente coração em um corpo, cujo cérebro é de inteligência notada e notável. Cavalgado por tantos e por todos, há de ser dirigido por atalhos, desvãos, desfiladeiros e vielas escusas, de modo tal que não poderá saber para onde vai, ficando hesitante e perplexo, como o asno de Buridan, entre os dois apetitosos feixes de capim de igual verdura e frescura.
Não lhe calou a profecia e nem nela acreditou, como em nada cria, senão no que o exaltasse e o levasse ao sétimo céu.

*-*-*

Dobrados os 50 janeiros, realizou-se a predição, em todos os seus turnos.
A megalomania e egolatria acresceu o gosto da oratória, que era um prazer ouvi-lo.
Presidente de tudo, certa vez, falando às massas, declarou que os bonds deveriam andar por sobre os trilhos de ferro, as andorinhas deveriam fazer os ninhos nas beiras dos telhados, que a chuva deveria regar a terra e o sol aquecer as plantas; que o Maripá e Guarará deveriam ser sedes de dois distritos e que nas Bicas, além de tudo, teria de residir o poder dos poderes, o nec plus ultra da soberania.
O Quincóte, já então Coronel, o gosto da oratória, que passou ao filho, de melenas caídas, pernóstico a valer, que, na sua estreia, fez o panegirico paterno, comparando-o à saracura dos brejais e alagadiços que, metida na água dos pântanos, tem a vista interceptada pelo emaranhado dos arbustos.
Bem-aventurado Quincóte!
Quando lhe mordem no calcanhar os rafeiros da politicalha e da politiquice, sente que lhe beijam a fronte, tão cândida e angélica!
Quando lhe tirarem o bastão de chefe da filarmônica cá da terra; o que breve há de se ver, pensará que é para lhe darem a regência da orquestra do Municipal!
Oh! salve tanta ingenuidade!
Se vota em candidato alheio, crê que o faz no seu!
Se, à fina força, retira candidato seu, crê que o fez sport sua!
Se tiver execução conhecido trecho bíblico, irá direitinho para o céu e de mãos postas!
A tua santa simplicidade, meu Quincóte, fará de ti, em vez de bípede liró, de frack e chapéu panamá, um redondo, ridículo, más feliz quadrúpede.

NENGUNUS

Jornal "O Guarará", ANNO III N.º 29, pgs. 2 e 3.

Guarará, 1 de janeiro de 1920.

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