sábado, 4 de outubro de 2014

FÉ - P. FLORIZEL



Crê no amor, minha filha.
Eu também era como tu quando tinha a tua idade: desconfiava de tudo, não acreditava em nada, era a incredulidade em pessoa.
Então em se falando de homens...
Hoje estou completamente mudada, arrependida, com os ensinamentos que recebi do mundo e com os ditames de minha própria consciência discernida e já madura.
Não quero que sigas a trilha que eu palmilhei por falta de um conselho seguro e ponderado.
Crê no amor. Si soubesses quanto sofri outrora, mercê dessa mania de descrer! A princípio julgava-me feliz, e todos assim me diziam que eu o era.
Que não havia nada melhor do que a gente não se deixar levar pelas palavras falazes dos outros. Não é assim tanto.
O mundo não é tão mau como o anunciam os pessimistas. Crê no amor, como hoje eu creio. Não vês aquele casal de pombos brancos que arrulham, meigos e gárrulos, cheios de alegria e ternura, sobre o telhado de nossa casa? E não reparaste ainda como as borboletas, sejam pequeninas como pétalas que voam, sejam grandes, de azas espalmadas, semelhando restos de penas de pavão soltos ao ar, andam sempre aos pares, nos seus adejos doidejantes, por sobre a verdura dos prados? Porque essa duplicidade de seres? Porque um foi feito para o outro e é dele o complemento: porque amam. É tudo assim na natureza. E ai delia se assim não fosse! ... Ouves aquela cigarra que estridula chirria por entre a ramada do tamarindeiro, mal o sol vai procurando o seu túmulo de fogo no extremo do céu?
Pois procura com cuidado, cata, busca com cautela entre os folíolos virentes do arvoredo, de permeio com os cachos de frutos pardacentos, que hás de encontrar uma outra cigarra quieta, calada, muda, prestando ouvidos àquela que a deleita e a seduz com seu cântico de amor.
Ai quem não crê, minha filha, no amor! ... Pobre do que vive só, como os ascetas nos cenóbios... Sabes o que é alma de um solitário? E’ um túmulo, onde jaz a múmia de um sonho. Si esse ente se fez solitário, porque a morte roubou a criatura que completava a sua vida, si ele um dia creu no amor, a sua alma é um túmulo, de fato, mas sobre ele vicejam saudades e lembranças: é urna campa coberta de flores. Mas si ele se tornou ermitão, porque jamais penetrou em seus íntimos sacrários esse princípio misterioso que é a essência da vida... pobre alma! triste tumba: é uma cova rasa, onde nem as gramíneas vegetam, que só os lichens secos da descrença revestem...
Pois si até as plantas fixas ao solo se amam estremecidamente! Já li um livro, escrito em uma linguagem de todo o rigor cientifico, em que era narrado o fato de uma plantinha aquática — foge-me da memória o seu nome arrevesado, — a qual vive no fundo da água mansa nos lagos, presa ao limo musgoso da vasa. Pois bem: na primavera, quando a natureza em peso celebra e seu universal himeneu, a plantinha dá flores, estas se elevam à superfície das aguas, e aí, longe da planta mãe, à face do Sol, que as instiga para o concerto da boda, incitadas pelo balanço das aguas que as impelem umas para outras, elas — duas a duas, sempre aos pares — se tocam e osculam como namorados furtivos, e após esse ligeiro beijo criador, que garante a sua existência na Terra, as florinhas retraem-se imediatamente, voltando ao fundo do lago e indo talvez contar ao tronco materno, o crime necessário e providencial, que o Sol e as aguas, que a mesma Natureza lhes tinham feito cometer...
Ai de quem não crê... ai de quem não ama! ... O descrente é como o mocho: vive em uma eterna noite, só enxerga no escuro. A crença é um sol que ofusca e cega o incréu, e sob cujo influxo este não compreende o que vê.
Ao contrário, quão feliz é quem crê! Quantos privilégios para quem ama! ... Ama, minha filha, derrama sobre tua alma o cálix todo desse licor embriagador! Algema-te nessa cadeia: nunca conseguirás ser mais livre do que ficarás então. Deixa-te crucificar pela paixão, crê na grandeza de teu feito, e terás amais franca liberdade nessa prisão... serás o símbolo vivo da Fé. E então, a cada passo teu, semearás pelos campos, com a marca de tuas palmas, os lírios que hão de florir ao teu regresso e as laranjeiras que hão de te dar as flores para engrinaldares a fronte no dia de teus esponsais...E então, quando acordares, ouvirás sempre a música dos pássaros, que te ensinarão a modular cânticos de ternura e melodias de amor... E então, as serpes da maldade e os abutres da tristeza fugirão de ti, como os noitibós soturnos arrancam para suas furnas escuras a um raio de luz... E— excelsa, sobre-humana, divina quase — tu aparecerás em meio à grita do povo que se estorce na agonia convulsa da descrença e da maldade, serena, calma e risonha, cercada de uma aureola de luz.
Crê no amor, minha filha, e serás feliz!

P.  Florizel

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