ESPÍRITO SANTO DO MAR DE HESPANHA
Como não temos lido até agora a descrição de uma das mais belas festas cívicas aqui realizada, é com o mais vivo prazer que proporam-nos a fazê-la, bem que imperfeitamente, porque faltam-nos alguns dados, que muito desejariamos ter à vista, para tão grata missão.
Queremos nos referir à imponente manifestação de gratidão, amizade e apreço de que foi alvo o benemérito cidadão comendador Francisco Joaquim de Noronha e Silva no dia 23 do mês próximo findo.
Dizer quem é, quanto vale, e o que há feito o comendador Noronha em prol desta freguesia, é tarefa prescindivel, porque está no domínio publico; e também porque o que houvéssemos de dizer de encomiástico, seria um pálido reflexo de tudo quanto a respeito de tão ilustre varão tem-se dito, e foi dito por ocasião da manifestação a que nos aludimos.
Logo que se soube que pela munificência imperial fora o capitão Noronha agraciado com a comenda da ordem da Rosa, aventou-se a idéia de se lhe oferecer, por parte do povo reconhecido, a respectiva venera; e para esse fim, organizou-se uma comissão, que se compôs dos ilustrados Srs. Dr. Geraldo Lima, Dr. Francisco Mercadante, Camilo Santos, Gustavo Pereira, e José Álvares Junior, que abriram uma subscrição, sendo esta sinceramente afagada por todos os corações amigos.
No dia 23, o dia da manifestação, desde cedo o movimento da população tinha um quê de estranho: era o júbilo que ia na alma de todos pelo cumprimento de um sagrado dever, qual o de significar, por um ato espontâneo e publico, o reconhecimento àquele que por muitos títulos tem sabido conquistar a estima e consideração de seus concidadãos.
Às quatro horas da tarde daquele dia, os manifestantes dirigiram-se para a casa do Sr. Camilo Santos; às cinco puseram-se em ordem de marcha, tendo à sua frente a excelente banda musical sob a regência do Sr. Fernandes Januário. No trajeto, recebia o prestito as pessoas que aguardavam a sua passagem, as quais, por motivos alheios à sua vontade, não puderam ir ao rendes-vous, de tal modo que, quando chegou á residência do Sr. comendador Noronha, a multidão era notável e compacta.
Depois da execução de uma brilhante ouverture, o Sr. Dr. Geraldo Lima, como orador da comissão respectiva, proferiu um excelente discurso, expondo o fim da manifestação, sendo muito aplaudido ao terminar. Foi então que, obtida a devida vênia, o Sr. Camilo Santos colocou sobre o peito do venerando condecorado a primorosa venera, sendo-lhe também oferecido um rico cronômetro com [corrente] de ouro; e, em momento tão solene, sua fisionomia denunciava visivelmente a emoção que seu nobre coração sentia. Depois deste ato, falou o Sr. Frederico Augusto Silva, como orador oficial.
Sobre o seu discurso, apenas diremos que foi fluente e arrebatador, correto e muito aplaudido.
O seu digno filho Octacilio, criança bela e simpática, de 9 anos apenas, também tomou a palavra o deu-nos, com a sua voz, em timbre argentino, um discurso mignon, sendo, ao concluir, abraçado e acariciado por todos.
O Sr. capitão cirurgião-mór Francisco Baptista de Alvarenga, recitou de sua lavra, a poesia infra, que arrancou gerais aplausos.
Falaram ainda pela ordem em que vão, o inteligente menino Marcelino Barcellos, Dr. Mercadante, Aurides Rabello e Augusto Clementino, este em nome da colônia portuguesa ali representada.
O comendador Noronha, com suas maneiras despretensiosas, lhano, e sempre bondoso, a todos agradecia, e ofereceu um delicado copo de água.
Na despedida selava ainda o seu agradecimento com um sincero amplexo e um leal aperto de mão pelas inequívocas provas de amizade que lhe tributavam.
À noite teve lugar a soirée, agradabilíssima diversão, que entrou no programa para fecho da nossa bela festa.
Antes, porém, de se dar começo aos dançados, partiram os Srs. Dr. Mercadante, Gustavo Pereira e José Álvares Junior em comissão, afim de trazerem o comendador para honrar com sua presença a soirée. Logo que ele chegou, foi recebido e introduzido no salão pelos Srs Virgílio Mascarenhas, José Machado e O. Padilha, membros da comissão que o devia receber, e no meio das estrepitosas ovações a Exma. esposa do Sr. Norberto Carvalho o envolveu numa chuva de flores, ouvindo-se nesta ocasião os acordes de uma marcha soberba.
O quadro era esplendido!
É também do nosso dever dizer que os distintos cavalheiros que fizeram parte da comissão iniciadora, estiveram na altura de seus merecimentos, porfiando entre si nada esquecerem para o brilhantismo da festa, solícitos e dispensando aos convidados cavalheiros as atenções, procurando mesmo adivinhar o gosto de cada um ante o bem provido buffet.
Vamos concluir com a chave de ouro, pois que trata-se de uma ação meritória.
Por ocasião da oferta da venera ao comendador Noronha, o seu particular amigo, Sr. comendador Firmino Alibert, para mais solenizar o ato, fez-lhe entrega da quantia do 50$000 para ser dada, como prêmio, ao aluno que melhor se distinguir nos exames. Este sagrado deposito está confiado à guarda do Sr. Camilo Santos.
O melhor elogio que podemos tecer ao honrado e benemérito cidadão francês, é revelar ao publico a sua generosa dádiva.
10 de Abril de 1889.
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SONETO
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Expor à luz o mistério da verdade,
Do segredo romper a densa treva,
Manifestar a gratidão no que se eleva,
Vem um povo render preito á bondade!
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A ti, que tens por norma a caridade,
Das pompas do mundo a sã reserva,
Um coração onde vive e se conserva
Amor, dedicação, sinceridade!
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Deixa que te abrace um povo inteiro,
Estreitar ao teu seu coração
Ao som do hino prazenteiro!
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A venera que recebeste em galardão,
Que outr'ora traduziu que és cavalheiro,
Traduz hoje d'um povo a gratidão!
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Por seu dedicado amigo
B. de Alvarenga.
(D'O Mar de Hespanha, de 14 de Abril.
Jornal "A Província de Minas", ANNO IX, N. 582
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