sábado, 23 de junho de 2012

MEMORIAL DE GUARARÁ

I - PAISAGISMO ESMO

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A umidade relativa do vento
Nas ruas quietas da cidade
Transforma um dia poeirento
Em uma lacuna na umidade.
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E o casario antigo, arcaico
Com tanta história escondida
Parece às vezes um mosaico,
Peças tiradas de uma vida.
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Eis a memória de quem sabe
Que o não saber subsequente
Faz que a lembrança não se acabe
E fique em tudo tão presente.
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II - A RUA DETRÁS DA IGREJA
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A rua que mora atrás da igreja
E que termina na descida
Talvez não seja como eu a veja
Com qualquer coisa parecida.
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E nem é de certo a semelhança
Que em certeza constitua
Que fez da rua uma lembranaça
E da lembrança vira rua.
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Mas não é fato, nem é certo
Que da igreja se aviste
Num ponto alheio ou encoberto
De onde a rua nem existe.
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III - NO CAMPO FUNÉREO
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Talvez, um dia, quando eu morto
Alguém verá no que escrevi
A dor preclara e o desconforto
De eu não ter sido o que vivi.
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E ao som fatal de um alaúde
No acorde fraco de uma rumba
Irão achr meu ataúde
Entre os escombros de outra tumba.
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Então verão que quem escreve
Se entrega à morte todo dia
Mas nunca sabe o que lhe deve
E nunca finda o que devia.
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IV - O RELATIVO DAS COISAS
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Já houve um tempo comparável
À estranha falta de eu ter
Em cada ponto inquebrantável
A falsa idéia de o conter.
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E hoje nas ruas da cidade
Vejo no tempo uma gaiola
Que rouba tudo, a liberdade,
Nos dá a vida e a controla.
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Já houve um tempo, e restará
Em quanto dele ainda me caiba
De eu vivê-lo em Guarará
Ou onde e quanto não o saiba.
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V - A RUA DO CAFÉ VEREDA
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Inda que seja o verso falho
Ou cada rima me o roube
Farei de mim um re-trabalho
Em cada linha que me coube.
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De longe longe a silhueta,
De algum sentido inexpresso
Lembra papéis numa gaveta
Lembra o antigo em seu começo.
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Lembra degraus, escadaria
Lembra tropeiros, lembra a fé
E o esplendor que aqui havia
Nos áureos tempos do café.
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VI - DOMINGOS FERREIRA MARQUES
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É no repouso deste chão, guardado,
Por irmãos iguais, em seu apogeu,
Está ele o filho, inda hoje armado
Pra guardar a terra que a outros deu.
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Se lhe falta busto a memória entalha
Se lhe falta louros, quem se importará
Basta a memória, e esta mortalha
Que resplandeceu como Guarará.
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E na lousa fria cujo embate trava
A derradeira luta do não existir
Ele fez-se emblema do que mais amava
Por nada querer... só retribuir.
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VII - A IGREJA DO DIVINO
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