terça-feira, 7 de agosto de 2012

POETA QUE O TEMPO ESQUECEU... (II)

VINGANÇA

Lendo Raimundo Corrêa
(Para o grande espírito de Affonso Leite)

Trago no peito a sede da Vingança,
pois um rancor ao Mundo me devora...
No carcavão do ódio que destrança,
fareja o Mal eterno, que estertora...

Maldigo a terra... a Natureza mansa...
o amor à Paz... o cintilar da aurora!
a Fé que salva... o riso da Esperança,
a própria Luz que, aos poucos, enrubora!

E nesta sede de traição fatal,
em que nas veias ferve o sangue mau,
é, pois, que sinto o meu rancor profundo!

Olhos faiscantes - víbora do Mal -
minha vingança é de tamanho grau
que, se eu pudesse, arrasaria o Mundo!

1919 — Guarará.
Luiz de Freitas Santos.
Jornal "O Guarará" de 07 de setembro de 1919.


A SAUDADE
(Ao grande poeta Bento Castanheira)

Abre-se o coração, e dele sai uma pérola: a saudade, - que é a lágrima nos olhos do que parte, o delírio na alma do que fica.
A saudade une as distâncias, transpõe os mares, atravessa os montes, devassa o céu, a sua força é o pensamento que sonha; a sua vida é o coração que ama.
É a saudade a mudez que fala, a sua voz é um gemido apertado na garganta, é um soluço partindo corações, é um desespero que desperta todas as angustias, todos os delírios, todas as meditações. Percorre a terra, mistura todos os sonhos e arranca lágrimas a todos os olhos, onde a tristeza vive. Ajoelha na laje fria dos túmulos, busca o infinito, penetra as sombras do passado, e vem acordar todas as fibras do coração que se despedaça.
Que voz humana a interpreta? que pensamento a descreve?
Responda o desterrado que, no deserto, longe do família c da pátria, devassa com o olhar o infinito ou alonga o coração para o horizonte onde acena um sonho, um desejo, uma recordação, onde morre o último grito de desespero.
A saudade é um delírio que envenena; a saudade é uma recordação que mata, é uma carícia que oprime.

Luiz de Freitas Santos
Jornal "O Guarará", ANNO III, N.º 10
Guarará, 14 de setembro de 1919

A MENDIGA
(Para o Caricio Castanheira)

No alto daquele serro, entre ramagens de flores, á beira do regato, que vai beijar, gemendo e chorando, o coração das matas, ergue-se um palácio, onde o esplendor das luzes se expande, infinito.
Ali, no remanso da poesia, vive em silencio a formosa Nadyres, lírio do céu que floresce na terra.
Uma noite o suntuoso castelo desapareceu entre chamas, que tantas fortunas têm consumido, tantos sonhos desfeito, tantas vidas sepultado.
E aquele anjo do palácio tornou-se a alvorada da choupana! Aquele diamante, engastado na coroa das virgens, tornou-se a lagrima brilhando nos olhos da pobreza!
Pela estrada que se perdia ao longe, aproxima-se de Nadyres alguém, em cujos olhos úmidos amortecera alucinação dos sonhos, de cujos cabelos crespos desaparecera o perfume das rosas.
Jovem nos anos, mas trazia a velhice no coração.
As angustias e o sofrimento fazem da formosura de«um anjo os andrajos da miséria.
Ei-la que vem passando... e a mão estende a Nadyres, - o formoso lírio do céu que floresce na terra.
- Uma esmola, coração dos mártires, consolo dos infelizes!
Nadyres contempla-a, com uma pequenina lagrima a cintilar nos olhos, e lhe interroga, fixando lhe o olhar puro, inocente, piedoso:
- Quem és tu, minha querida? que trazes nas faces o rubor de uma beleza morta; nos olhos, a resignação dos infelizes crentes; na cabeça, o prenúncio da velhice; no corpo, os andrajos da miséria? Quem és tu, minha querida?
- Formosa virgem que me interrogais. Minha historia é triste! Contá-la? Ai! é reacender, em meu coração de mártir, todas as angustias da vida! Eu já fui a estrela brilhando na fronte das princesas! Eu já fui o anjo dos palácios sonhando em leitos de pena e ouro, na ilusão de todas as riquezas! Eu já fui o sorriso que brinca nos lábios do amor! Eu...
- Basta, desgraçada! Irmã da mais agra desventura! companheira das dores mais cruéis e do mais doloroso sofrimento! Vai-te! desaparece de minhas vistas! Vieste trazer a meu coração a mortalha de minhas misérias, a canção do mal!
Contemplar-te, é revolver o sepulcro de todos os meus sonhos, incinerados na irrisão da sorte!
Ouvir-te, é estreitar as nossas almas para reminiscencias de uma fatalidade eterna! Somos irmãs na desgraça! O teu passado é a sombra dos meus dias mortos! Vai-te!

*-*-*

Ilusão! Ilusão! o império da desgraça pode transformar te no grito de dor apertado na garganta dos homens! Se o rumor dos túmulos não te desfolha as pétalas cor-de-rosa, o vendaval da adversidade transforma-te na caveira da realidade!
A mendiga e a misteriosa Nadyres, a virgem dos palácios, eram as flores que o tufão da sorte desfolhou!
Luiz de Freitas Santos
Oliveira - 1919
-
Jornal "O Guarará", ANNO III, N.º 28
Guarará, 18 de janeiro de 1920

     OS OLHOS

Os quiromantes colhem suas ilações psicológicas do estudo das linhas das mãos. Mais lograriam, entrementes, se para os olhos humanos convergissem suas indagações analíticas.
A palavra pode velar, esconder a alma; os olhos, não. A raiva, desconfiança, a traição, a hipocrisia, o amor, a tristeza, a cisma, a alegria, o ciúme, a indiferença, tudo isso os olhos revelam, por maiores que sejam os esforços feitos em contrário.
É que tudo isso é comoção, e comoção é luz, e a luz, embora desviada de seu curso, reverbera sempre. Os olhos iluminam o semblante. O cego é um semimorto: falta-lhe a irradiação. Quando a verdade é fulminante, a garganta paralisa-se, afônica, mas o olhar aumenta de fulgor e expressão. Há olhares que iludem, como há joias que enganam; mas tanto aqueles como estas só confundem aos ignorantes da psicologia e da química. Os grandes entusiasmos, as alegrias estrepitantes, as cóleras terríveis, só logram experimentar, em toda a sua intensidade, os que têm a graça da visão. A voz do cego modula sempre uma queixa: quer ele cante, quer ele fale. Fotografai-vos, vendando os olhos, talvez não se verifique a vossa idoneidade. Fotografai os vossos olhos apenas, e quem vos conhecer bem, certo vos denunciará.
Por uma frincha, por uma talisca vereis uma cidade, á distância. Olhai por um olhar e vereis inteira uma alma. Por isso os delinquentes não temem falar, mas temem olhar. Falar desperta a razão; olhar desperta a intuição: a razão deduz, a intuição profetiza: aquela arremete com a lógica: esta abroquela-se da fé; uma edificou a ciência; a outra, evangelizou a religião; qual cinzelou e ergueu a estatua; qual arquitetou e erigiu o templo. Quem é culpado, ou planeja o mal, não fita sua vítima. O mentiroso tem sempre no olhar uma pergunta: - Estarão crendo? -
Geralmente o estrábico não é simpático porque seu olhar é indefinido e o olhar é que prende ou afasta. O amor é sublime quando fala pela visão. O olhar é multivario: positiva todos os movimentos alma: há o olhar de amor, de simpatia, de carinho, de piedade, de desprezo, de vingança, de arrependimento, de queixume, de ansiedade, de desesperação, de agonia e de morte. E isto que se nota no homem, verifica-se também nos outros seres: o olhar oblíquo e afogueado da águia muito difere do olhar meigo e inocente da gazela.
Como devera ser impetuoso, ardente e inquieto o olhar de Nero!
Como devera ser atraente, consolador, meigo, amoroso, humilde e sereno o olhar de Jesus!

Guarará - 1920
Jornal "O Guarará", ANNO IV, N.º 53
14 de julho de 1920

PORQUE?

Consigo descobrir em toda a parte
a compaixão de Deus que tudo exprime...
consigo em tudo, entre beleza e arte,
ver desse Deus a perfeição sublime!

De amor e bem a terra se comparte...
E a lei de Deus é a caridade firme,
que não falseia, não se amolga e parte,
premia o justo, condenando o crime.

Consigo, enfim, saber de todo o mundo
que Deus - fazendo a Terra e o Sl fecundo,
nos fez perfeitos como assim quisesa...

Não sei é por que o Deus clemente
em vez de dar-te um coração de gente,
pôs em teu peito um coração de fera?!

Luiz de Freitas Santos
Jornal "O Guarará", ANNO IV, N.º 53, pg. 3
Guarará, 14 de julho de 1920


INGRATOS

Eu, que não tive os risos da Ventura,
e chego, exausto, quase ao fim da Vida,
não sei onde, na terra, se procura
e se acha a Caridade recolhida.

Muita gente maldosa, corrompida,
almas sem fé, sem amor e sem ternura,
eu tenho visto, nesta amarga lida,
de tantos anos de sindicatura.

Já benefícios pratiquei, honrando
a lei do bem; e, por amor do bem.
vidas nutrindo, corações velando...

E por tudo que fiz - é bem verdade -
dão-me espinhos e males, que me vêm
das frias mãos da ingrata Humanidade.

Jornal "O Guarará", ANNO VI, nº 269
Vila de Guarará, 21 de setembro de 1924
Luiz de Freitas Santos


NÓS

Quanta alegria, em risos redobrando,
enche o peito feliz dos namorados
Quanta esperança... quanto amor cantando
em corações que sonham despertados

Quanto esplendor que o tempo vai levando...
e nós, Querida, de sofrer cansados,
temos no peito o coração chorando,
eternamente á dor escravizados.

Quantos males da sorte vão curtindo
esses que, como nós, se adoram tanto
e, de felizes, vivem se fingindo...

Que não nos vençam dores e cansaços
Amor! saibamos resistir entanto,
numa efusão de beijos e de abraços.

1925 — Guarará.
Luiz de Freitas Santos


DESABAFO

... E não posso esquecer-te, meu amor,
por mais que o queira... O coração, chorando,
a tua imagem santa relembrando,
enche-me a vida de ilusões e dor.

Em cada estrela vejo o teu fulgor,
ouvindo, ao longe, tua voz cantando,
e, sem saber de mim, vivo sonhando
que nossas almas se trocaram, flor.

Dentro de mim, em festas de alvorada,
lampeja, em luz, o sol das esperanças,
que me me norteia e me abençoa, Amada.

Quanto mais sofro, mais eu te benfigo...
E, entre sorrisos e carícias mansas,
mais te desejo e sonharei contigo!

1925, Guarará
Luiz de Freitas Santos


O CREPÚSCULO DA SAUDADE

Um dia vi-te, e tu me viste u dia.
Fitei-te rindo, e rindo me fitaste.
Nas tuas faces um rubor havia,
nas minhas faces um rubor deixaste.

Que bem depressa o teu amor nascia,
que bem depressa o meu amor levaste,
por meu olhar e teu olhar se via,
se o demonstrei, também o demonstraste.

Hoje, volvidos tantos anos... tantos!
partes, e levas meu amor penando,
partes, e fica teu amor sofrendo.

Deixas comigo uma saudade em prantos.
Como esquecer-te, o meu amor chorando?
Como esquecer-te, o teu amor perdendo?

1925 — Guarará.
Luiz de Freitas Santos


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