VINGANÇA
Lendo
Raimundo Corrêa
(Para
o grande espírito de Affonso Leite)
Trago
no peito a sede da Vingança,
pois
um rancor ao Mundo me devora...
No
carcavão do ódio que destrança,
fareja
o Mal eterno, que estertora...
Maldigo
a terra... a Natureza mansa...
o
amor à Paz... o cintilar da aurora!
a
Fé que salva... o riso da Esperança,
a
própria Luz que, aos poucos, enrubora!
E
nesta sede de traição fatal,
em
que nas veias ferve o sangue mau,
é,
pois, que sinto o meu rancor profundo!
Olhos
faiscantes - víbora do Mal -
minha
vingança é de tamanho grau
que,
se eu pudesse, arrasaria o Mundo!
1919
— Guarará.
Luiz
de Freitas Santos.
Jornal
"O Guarará" de 07 de setembro de 1919.
A
SAUDADE
(Ao
grande poeta Bento Castanheira)
Abre-se
o coração, e dele sai uma pérola: a saudade, - que é a lágrima
nos olhos do que parte, o delírio na alma do que fica.
A
saudade une as distâncias, transpõe os mares, atravessa os montes,
devassa o céu, a sua força é o pensamento que sonha; a sua vida é
o coração que ama.
É
a saudade a mudez que fala, a sua voz é um gemido apertado na
garganta, é um soluço partindo corações, é um desespero que
desperta todas as angustias, todos os delírios, todas as meditações.
Percorre a terra, mistura todos os sonhos e arranca lágrimas a todos
os olhos, onde a tristeza vive. Ajoelha na laje fria dos túmulos,
busca o infinito, penetra as sombras do passado, e vem acordar todas
as fibras do coração que se despedaça.
Que
voz humana a interpreta? que pensamento a descreve?
Responda
o desterrado que, no deserto, longe do família c da pátria, devassa
com o olhar o infinito ou alonga o coração para o horizonte onde
acena um sonho, um desejo, uma recordação, onde morre o último
grito de desespero.
A
saudade é um delírio que envenena; a saudade é uma recordação
que mata, é uma carícia que oprime.
Luiz
de Freitas Santos
Jornal
"O Guarará", ANNO III, N.º 10
Guarará,
14 de setembro de 1919
A
MENDIGA
(Para
o Caricio Castanheira)
No
alto daquele serro, entre ramagens de flores, á beira do regato, que
vai beijar, gemendo e chorando, o coração das matas, ergue-se um
palácio, onde o esplendor das luzes se expande, infinito.
Ali,
no remanso da poesia, vive em silencio a formosa Nadyres, lírio do
céu que floresce na terra.
Uma
noite o suntuoso castelo desapareceu entre chamas, que tantas
fortunas têm consumido, tantos sonhos desfeito, tantas vidas
sepultado.
E
aquele anjo do palácio tornou-se a alvorada da choupana! Aquele
diamante, engastado na coroa das virgens, tornou-se a lagrima
brilhando nos olhos da pobreza!
Pela
estrada que se perdia ao longe, aproxima-se de Nadyres alguém, em
cujos olhos úmidos amortecera alucinação dos sonhos, de cujos
cabelos crespos desaparecera o perfume das rosas.
Jovem
nos anos, mas trazia a velhice no coração.
As
angustias e o sofrimento fazem da formosura de«um anjo os andrajos
da miséria.
Ei-la
que vem passando... e a mão estende a Nadyres, - o formoso lírio do
céu que floresce na terra.
-
Uma esmola, coração dos mártires, consolo dos infelizes!
Nadyres
contempla-a, com uma pequenina lagrima a cintilar nos olhos, e lhe
interroga, fixando lhe o olhar puro, inocente, piedoso:
-
Quem és tu, minha querida? que trazes nas faces o rubor de uma
beleza morta; nos olhos, a resignação dos infelizes crentes; na
cabeça, o prenúncio da velhice; no corpo, os andrajos da miséria?
Quem és tu, minha querida?
-
Formosa virgem que me interrogais. Minha historia é triste!
Contá-la? Ai! é reacender, em meu coração de mártir, todas as
angustias da vida! Eu já fui a estrela brilhando na fronte das
princesas! Eu já fui o anjo dos palácios sonhando em leitos de pena
e ouro, na ilusão de todas as riquezas! Eu já fui o sorriso que
brinca nos lábios do amor! Eu...
-
Basta, desgraçada! Irmã da mais agra desventura! companheira das
dores mais cruéis e do mais doloroso sofrimento! Vai-te! desaparece
de minhas vistas! Vieste trazer a meu coração a mortalha de minhas
misérias, a canção do mal!
Contemplar-te,
é revolver o sepulcro de todos os meus sonhos, incinerados na
irrisão da sorte!
Ouvir-te,
é estreitar as nossas almas para reminiscencias de uma fatalidade
eterna! Somos irmãs na desgraça! O teu passado é a sombra dos meus
dias mortos! Vai-te!
*-*-*
Ilusão!
Ilusão! o império da desgraça pode transformar te no grito de dor
apertado na garganta dos homens! Se o rumor dos túmulos não te
desfolha as pétalas cor-de-rosa, o vendaval da adversidade
transforma-te na caveira da realidade!
A
mendiga e a misteriosa Nadyres, a virgem dos palácios, eram as
flores que o tufão da sorte desfolhou!
Luiz
de Freitas Santos
Oliveira
- 1919
-
Jornal
"O Guarará", ANNO III, N.º 28
Guarará,
18 de janeiro de 1920
OS
OLHOS
Os
quiromantes colhem suas ilações psicológicas do estudo das linhas
das mãos. Mais lograriam, entrementes, se para os olhos humanos
convergissem suas indagações analíticas.
A
palavra pode velar, esconder a alma; os olhos, não. A raiva,
desconfiança, a traição, a hipocrisia, o amor, a tristeza, a
cisma, a alegria, o ciúme, a indiferença, tudo isso os olhos
revelam, por maiores que sejam os esforços feitos em contrário.
É
que tudo isso é comoção, e comoção é luz, e a luz, embora
desviada de seu curso, reverbera sempre. Os olhos iluminam o
semblante. O cego é um semimorto: falta-lhe a irradiação. Quando a
verdade é fulminante, a garganta paralisa-se, afônica, mas o olhar
aumenta de fulgor e expressão. Há olhares que iludem, como há
joias que enganam; mas tanto aqueles como estas só confundem aos
ignorantes da psicologia e da química. Os grandes entusiasmos, as
alegrias estrepitantes, as cóleras terríveis, só logram
experimentar, em toda a sua intensidade, os que têm a graça da
visão. A voz do cego modula sempre uma queixa: quer ele cante, quer
ele fale. Fotografai-vos, vendando os olhos, talvez não se verifique
a vossa idoneidade. Fotografai os vossos olhos apenas, e quem vos
conhecer bem, certo vos denunciará.
Por
uma frincha, por uma talisca vereis uma cidade, á distância. Olhai
por um olhar e vereis inteira uma alma. Por isso os delinquentes não
temem falar, mas temem olhar. Falar desperta a razão; olhar desperta
a intuição: a razão deduz, a intuição profetiza: aquela arremete
com a lógica: esta abroquela-se da fé; uma edificou a ciência; a
outra, evangelizou a religião; qual cinzelou e ergueu a estatua;
qual arquitetou e erigiu o templo. Quem é culpado, ou planeja o mal,
não fita sua vítima. O mentiroso tem sempre no olhar uma pergunta:
- Estarão crendo? -
Geralmente
o estrábico não é simpático porque seu olhar é indefinido e o
olhar é que prende ou afasta. O amor é sublime quando fala pela
visão. O olhar é multivario: positiva todos os movimentos alma: há
o olhar de amor, de simpatia, de carinho, de piedade, de desprezo, de
vingança, de arrependimento, de queixume, de ansiedade, de
desesperação, de agonia e de morte. E isto que se nota no homem,
verifica-se também nos outros seres: o olhar oblíquo e afogueado da
águia muito difere do olhar meigo e inocente da gazela.
Como
devera ser impetuoso, ardente e inquieto o olhar de Nero!
Como
devera ser atraente, consolador, meigo, amoroso, humilde e sereno o
olhar de Jesus!
Guarará
- 1920
Jornal
"O Guarará", ANNO IV, N.º 53
14
de julho de 1920
PORQUE?
Consigo descobrir em toda a parte
a compaixão de Deus que tudo exprime...
consigo em tudo, entre beleza e arte,
ver desse Deus a perfeição sublime!
De amor e bem a terra se comparte...
E a lei de Deus é a caridade firme,
que não falseia, não se amolga e parte,
premia o justo, condenando o crime.
Consigo, enfim, saber de todo o mundo
que Deus - fazendo a Terra e o Sl fecundo,
nos fez perfeitos como assim quisesa...
Não sei é por que o Deus clemente
em vez de dar-te um coração de gente,
pôs em teu peito um coração de fera?!
Luiz de Freitas Santos
Jornal "O Guarará", ANNO IV, N.º 53, pg. 3
Guarará, 14 de julho de 1920
INGRATOS
Eu, que não tive os risos da Ventura,
e chego, exausto, quase ao fim da Vida,
não sei onde, na terra, se procura
e se acha a Caridade recolhida.
Muita gente maldosa, corrompida,
almas sem fé, sem amor e sem ternura,
eu tenho visto, nesta amarga lida,
de tantos anos de sindicatura.
Já benefícios pratiquei, honrando
a lei do bem; e, por amor do bem.
vidas nutrindo, corações velando...
E por tudo que fiz - é bem verdade -
dão-me espinhos e males, que me vêm
das frias mãos da ingrata Humanidade.
Jornal "O Guarará", ANNO VI, nº 269
Vila de Guarará, 21 de setembro de 1924
Luiz de Freitas Santos
NÓS
Quanta
alegria, em risos redobrando,
enche
o peito feliz dos namorados
Quanta
esperança... quanto amor cantando
em
corações que sonham despertados
Quanto
esplendor que o tempo vai levando...
e
nós, Querida, de sofrer cansados,
temos
no peito o coração chorando,
eternamente
á dor escravizados.
Quantos
males da sorte vão curtindo
esses
que, como nós, se adoram tanto
e,
de felizes, vivem se fingindo...
Que
não nos vençam dores e cansaços
Amor!
saibamos resistir entanto,
numa
efusão de beijos e de abraços.
1925
— Guarará.
Luiz
de Freitas Santos
DESABAFO
... E não posso esquecer-te, meu amor,
por mais que o queira... O coração, chorando,
a tua imagem santa relembrando,
enche-me a vida de ilusões e dor.
Em cada estrela vejo o teu fulgor,
ouvindo, ao longe, tua voz cantando,
e, sem saber de mim, vivo sonhando
que nossas almas se trocaram, flor.
Dentro de mim, em festas de alvorada,
lampeja, em luz, o sol das esperanças,
que me me norteia e me abençoa, Amada.
Quanto mais sofro, mais eu te benfigo...
E, entre sorrisos e carícias mansas,
mais te desejo e sonharei contigo!
1925, Guarará
Luiz de Freitas Santos
O CREPÚSCULO DA SAUDADE
Um
dia vi-te, e tu me viste u dia.
Fitei-te
rindo, e rindo me fitaste.
Nas
tuas faces um rubor havia,
nas
minhas faces um rubor deixaste.
Que
bem depressa o teu amor nascia,
que
bem depressa o meu amor levaste,
por
meu olhar e teu olhar se via,
se
o demonstrei, também o demonstraste.
Hoje,
volvidos tantos anos... tantos!
partes,
e levas meu amor penando,
partes,
e fica teu amor sofrendo.
Deixas
comigo uma saudade em prantos.
Como
esquecer-te, o meu amor chorando?
Como
esquecer-te, o teu amor perdendo?
1925
— Guarará.
Luiz
de Freitas SantosVOLTAR AO ARTIGO PRINCIPAL
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