O
"POETA MARGARIDA"
O
“Poeta Margarida” ou Manoel
de Almeida Coelho Margarida,
nasceu na vila e freguesia de Macieira
de Cambra,
no distrito de Aveiro, em Portugal, aos 07 de julho de 1829, filho de
uma família paupérrima que residia perto de Val-Galhardo, onde seu
pai ganhava 4 vinténs, como serviçal, por dia e sua mãe, uma
tecedeira, ganhava 2. (1)
Manoel, com pouco tempo de vida, ficou
órfão, e com isso "começou
a carecer da proteção de estranhos de quem vinha o pão que o
alimentou até a morte."
"Aos
dez anos de idade ele pastoreava em companhia do seu único amigo, o
fiel Leandro, cão que tanto idolatrava, por esta ocasião perdia
para sempre o seu preceptor pois falecera o seu mestre, de quem
recebera as primeiras noções de leitura."
Desde
essa idade, forçado a trabalhar pela mais extrema necessidade, não tendo como nem com o que garantir seus estudos, privado até mesmo dos
domingos, pois ficara completamente preso aos compromissos de
criadagem, cuidando de burros, sentia na pele as agruras da vida e "...assim começava a libar o cálice dos sofrimentos!"
Sobre
esses primeiros anos de vida e sobre sua progenitora, uma "honrada
e trabalhadeira aldeã",
o poeta diria o seguinte:
"Nas
carquejas e cascalhos
Essa
mártir deu-me a luz
Lá
vi a primeira vez
Das
estrelas os fulgores,
Tendo
por cama carquejas,
Pinheiros
por cobertores."
Todavia
a sede de instrução não lhe fora furtada e assim foi que ele
"aquele
gênio furtava, às vezes, o tempo para estudar na estrebaria enquanto
não vinham os burros, servindo-se de um tição.".
"E
quando não vinham os burros
Sempre
tinha por costume
Ler,
soprando aos tições,
A
queimar a testa ao lume."
(13)
Ainda
sobre sua infância e juventude Carlos Borja Peixoto diz o
seguinte:
“...ao
contar cinco anos foi pastorear rebanhos: aos sete revelou-se nele
uma vontade extraordinária de aprender a ler, porem não so as
posses de seu pai não o permitiam, como também no lugar em que
morava não havia pessoas aptas para, ensinar-lhe, á exceção de um
cirurgião, a quem chamavam de sábio.
A
sua vontade heroica procurou vencer todos esses sérios embaraços.
Conseguindo
ganhar um livro, à noite pedia a seu pai algumas lições, o qual,
fatigado do seu trabalho diurno, punha-se a dormir, e também era
quase analfabeto.
Não
obstante todas essas dificuldades, todas essas insuperáveis
barreiras, Margarida não desanimava. Aos domingos dava-lhe seu pai
duas horas de descanso, tempo que aproveitava estudando
Ao
ver passar na rua qualquer pessoa, para ela se dirigia; pedindo que
lhe ensinasse este ou aquele nome que ler não sabia.
Este
procedimento levou o povo daquele lugar a dizer que estava ficando
idiota.
Foi
vencendo obstáculos de tal ordem, que hoje lê, posto que mal.
Reconhecendo-se
poeta, pela grande facilidade com que punha em versos os seus
pensamentos, com que glosava o que lhe dava, que dar à luz da
publicidade as poesias que então havia feitos. Mas de que modo, se
escrever não sabia? Ainda esta dificuldade não constituiu barreira
para tão extraordinária vontade.
Arranca
a pena de um pato e, preparando-a faz na areia um alfabeto especial,
de que até hoje se serve.” (2)
Manoel
veio para o Brasil e, depois de um curto período de permanência,
retornou à pátria, "levando consigo a colossal fortuna de
setecentos e vinte réis!..." ... "Nem a distancia
que o separava da família, nem esse rosário de sofrimentos de que
tantos podem dar testemunho, nada minorou a antipatia com que o
recebeu um único parente que lhe restava".
"Eu
lhe perdoo as calunias
Que
contra mim se levantou..." (13)
De
novo ao Brasil, não se tem notícias claras da data, as primeiras
referências dão-no como morador em uma casa simples e humilde com
mulher e quatro filhos, onde atuava como um lavrador, trabalhador de
enxada ou cavouqueiro, de onde tirava o sustento familiar ganhando
assim “o pão para si e para a sua família ao sol, enxugando o
suor do pesado trabalho, misturado às lágrimas do infortúnio que o
persegue”, como narra o editorialista do jornal "O
Arauto de Minas", quando o visitara em sua casa e
prossegue dizendo: “...Ali cercado dos filhos e da esposa sente
arfar-lhe o peito a falta de recursos; e tomando da lira inculta,
disfarça em cantigas as dores que lhe atormentam a alma."
Manoel, carecia do rudimento mesmo das letras, era inculto para
a leitura e escrita, sabia apenas assinar o nome, “contudo
em caracteres, que lhe são unicamente inteligíveis, escreve suas
inspirações, que outros passam a limpo, lidas pelo próprio autor.”
Como
os refazes da vida encontram, por seu lado, um oponente à altura,
Manoel deparou-se com uma mão benfazeja que, a par de sua produção
rimada “...achou-lhe
tanto cunho de naturalidade e tão ricas de pensamentos bons, em tão
variada rima, que aconselhou ao agreste poeta para dá-las ao prelo.”
Como resultado o passo seguinte foi igualmente providenciado pelo
destino e Manoel encontrou quem arcasse com a edição de seu “Flores
Incultas”, editada pela Typographia
Economica,
em 1879.
A
partir daí, ele o próprio autor se incumbiu de vender de
porta-a-porta a sua obra editada, pelas imediações, adjacências e
arredores. (3)
E
assim é que vamos encontrá-lo em outubro de 1881, já com um novo
volume de suas “Flores Incultas”, em São João Del
Rei, participando dos festejos de uma inauguração religiosa e para
retribuir a visita que o periodista de “O Arauto de Minas”
havia feito a ele em sua asa em Mar de Espanha.
Manoel
já havia conquistado notoriedade na região como “...improvisador,
repentista admirável e pela produção de poesias, que contem belos
conceitos e rima fácil...” (4)
Ainda
sobre a sua versatilidade e produção farta diria um periodista da
época: "O poeta margarida parece ser uma dessas organizações
eminentemente poéticas que fazem versos como os passarinhos cantam.
Pena
que, por escassez de recursos, que não faltam a outros que não os
aproveitam, deixasse de ser cultivado tão notável talento.
Vivendo
por esta época em Mar de Espanha, Manoel estava viúvo, (pela
segunda vez) e era pai de quatro filhos, sendo três homens, os quais
viviam em casa do Sr Marcelino José da Costa, fazendeiro no
Município de Mar de Espanha, e uma menina que vivia na casa de
padrinhos, também em Mar de Espanha.
No início de 1885 ele
vaivai para o Rio de Janeiro, onde permanece por algum tempo,
vendendo seus livros, visitando jornais e participando da vida
social, um destes exemplos foi a sua participação em um evento da
entrega da venera da Ordem ao comendador Alves Ribeiro (12). Depois
de algum tempo, ele deixa o Rio e segue para Laguna, em Santa
Catarina, onde havia ido na intenção de visitar um dos filhos e de
lá ele parte para a Vila do Tubarão, no mesmo estado. Por esta
época ele edita o quarto volume de suas "Glosas".
(5) Já no mês de setembro do mesmo ano de 1885, Manoel vai para
Caxambu, sul de Minas, na intenção de buscar cuidados médicos para
a sua saúde “como o mostra seu aspecto”, ao mesmo tempo
em que fazia o seu trabalho de vendedor ambulante de seus próprios
livros. (6)
Carlos
Borja Peixoto ainda emenda: “O que vemos na batalha porfiosa
que teve este homem senão as trovas vencendo as trevas; rochedos
tocando-se e do choque resultando a luz.
Se
admiração me tem causado as poesias de notáveis poetas que tenho
lido, pasmo me tem causado as de Margarida.
Não
me admira que o cristal brilhe com a luz do sol, pasmo de vê-lo
mostrar-se luminoso mesmo nas trevas. (Mar d'Hespauha, 14 de julho de
1882. Carlos Borja Peixoto). (7)
Assim
é que em Caxambu, ao mesmo tempo em que cuidava de sua saúde, ele
era cortejado pelos apreciadores da boa rima e quando, depois de
aproximadamente um mês, deixa a cidade, o periodista escreve:
“Retirou-se na semana passada o poeta que tão apreciado foi
aqui dos aquáticos, podendo-se dizer que foi o leão da moda durante
tempo que esteve neste lugar"
"...Ao
poeta desejamos melhoras em sua saúde e boa venda de livros."
(8)
Não
passou-se muito todavia e, aos 26 de junho de 1886, no distrito de Rio Pardo da Leopoldina (Argirita), "para onde se retirara em busca de melhoras para
a sua saúde", (11) aos 54 anos, morre o “Poeta
Margarida”, provavelmente vitimado das mesmas enfermidades que o
vinham acoanhando e que o haviam, ano anterior, levado a Caxambu para
tratamentos médicos.
De
sua obra intitulada “Flores Incultas” ficaram quatro volumes.
Fora ele, embora inculto e analfabeto, o autor, o coeditor,
propagador e o administrador de sua obra, já que o próprio as
vendia de cidade em cidade.
O
articulista de “O Arauto de Minas”, emenda; "Era admirável
a facilidade com que encontrava rimas e a habilidade com que as
acomodava em sua singelas composições.
A
décima foi o gênero de verso com que mais se familiarizou, estava
em seu elemento que lhe davam uma quadrinha para glosar.
Se
muita gente que conversa com as musas ganhasse o talento de Margarida
que figura não faria?
Mas
quase sempre acontece que quando existe aptidão falta a ilustração,
ou melhor ainda - quando Deus dá o fubá, o diabo leva o saco.
(9)
Dada a nobreza de caráter, simplicidade, honradez e
cordialidade que a todos cativava, "era uma criança grande",
o jornal “O Pharol” de Juiz de Fora, por ocasião de sua
morte, dedica-lhe um epitáfio impresso nas páginas daquele
grandioso hebdomadário: "Respeitemo-lo, e guardemos o seu
corpo, postando de guarda à beira do túmulo a Honestidade e a
Honra!" (13)
A
posteridade conferiria ao poeta um caráter universalista e assim é
que a Camilo Castelo Branco, em seu "Dispersos",
volume 5, página 543, dedicando-lhe um longo e elaborado texto, diz:
"É assim que as literaturas se consubstancializam-se, e as
fronteiras das raças e das índoles se derrubam de modo que para o
talento sejam abolidas as pautas das alfândegas internacionais. A
última copla do snr. Margarida tem malícias de Byron
e e de Musset:
Mas vossa excelência bebeu
Em tamanha profusão
Que orgulhoso entendeu
Insultar uma nação." "..."
Augustus Gribel, o colunista mardespanhense, no ano de 1955, assim o descreve:
Augustus Gribel, o colunista mardespanhense, no ano de 1955, assim o descreve:
"O POETA MARGARIDA... Em outros tempos, fim do século passado e inicio deste, no áureo período de nossa terra, que foi chamado "época dos Agostinhos", porque lembrava o tempo dos chefes eminentes que comandaram a política e a administração mardespanhenses, com repercussão em todo o Estado, naquele tempo, vivia por aqui o poeta Manoel Margarida.
Era uma alma de artista, esse Manoel Margarida, errante à moda dos menestréis da antiguidade, talvez, até mesmo, um personagem semelhante Àqueles poetas que outrora também povoaram as ruas de Paris, ao tempo do "Rei-Vagabundo" coroado e reinante na cloaca dos esgotos da cidade imortal e duas vezes milenária.
*-*-*
Manoel Margarida era, segundo sei, um tipo de "Mané-Casinha", biscateiro, carregador de água em quintos, para as casas da cidade que ainda não possuíam os serviços de água atuais. Andava ele pelas nossas ruas, daqui para ali e acolá, fazendo mandados e dedilhando versos improvisados e repentistas que lhe floriam a pobreza honrada. Os que lhe conheceram falavam e falam ainda alguns contemporâneos dele, com verdadeira admiração ao valor inato e à inspiração poética prodigiosa que lhe aflorava cristalina como a água da fonte.
Um dia, no sepultamento de dª. Minervina, veneranda esposa do Dr. Infante Vieira, isto é, a 13 de Março de 1882, lá no cemitério velho, na rua das Flores, ei-lo a declamar de improviso:
"Duas pessoas distintas
Em posição e bondade
Como por fatalidade
Com a morte foram extintas.
É justo mortais que sintas
Porque Deus tudo assim destina
Não tem força a medicina
Contra o império da morte
Partilharão igual sorte
Eduardo e Minervina.
Altos desígnios de Deus
Que ninguém os compreende
A alma justa desprende
Da matéria e voa ao Céu
Apresentando o troféu
A majestade divina
Caridade peregrina
Companheira de Jesus
Gozai pois, perpetua luz
Eduardo e Minervina."
Um dia, Manoel Margarida desapareceu. E ninguém ouviu depois notícias suas. Desaparecera, como que por encanto, o poeta das ruas, o "Rei-Vagabundo", alegre menestrel do velho Mar de Espanha... - A. Gr."
Mais
à frente, outra homenagem, a Academia Municipalista de Letras de
Minas Gerais - AMULMIG, fundada em 8 de abril de 1963 pelo
escritor Alfredo Marques Vianna de Góes (1908-1992),
dedicou-lhe o patronato da cadeira de nº 97, ocupada atualmente pela
poeta, psicóloga, ensaísta e professora universitária, Lacyr
Annunciata Schettino, também ela uma cidadã mardespanhense.
(10)
Terminando,
parece que este é o mal dos (bons) poetas alcançar com a morte a
notoriedade da vida.
Fontes
consultadas:
1
- Jornal “O Baependyano”, caxambu, 22 de junho de 1886 ANNO IX
N.428 pg 2;
2
- Jornal “Liberal Miberal”, ANNO V, n. 72, pg 2 - Ouro Preto, 22
de julho de 1882;
3
- Jornal “O Arauto de Minas”, ANNO VI, São João Del-rei, 06 de
maio de 1882;
4
- Jornal “O Arauto de Minas”, 3 de novembro de 1881;
5 - Jornal "Regeneração", Santa Catarina ANNO XVII, pg. 142 - Domingo 5 de julho de 1885;
5 - Jornal "Regeneração", Santa Catarina ANNO XVII, pg. 142 - Domingo 5 de julho de 1885;
6
- Jornal “O Baependyano”, Caxambu, 6 de setembro de 1885, ANNO
IX, N. 381, pag 5;
7
- Jornal “Liberal Miberal”, ANNO V, n. 72, pg 2 Ouro Preto, 22 de
julho de 1882;
8
- Jornal “O Baependyano”, Caxambu 25 outubro de 1885 ANNO IX, n.
389 pag 4 e 5;
9
- Jornal “O Arauto de Minas”, ANNO X, São João Del Rei 26 de
junho de 1886 n. 12 - pag 2;
10 - COELHO, Nelly Novaes. "Dicionário crítico de escritoras brasileira: 1711-2001, pag 319;
11 - Jornal "Diário de Notícias", ANNO II, N. 373 - Rio de Janeiro, quarta-feira, 16 de junho de 1886;
12 - Jornal "O Pais" - Rio de Janeiro, terça-feira, 17 de fevereiro de 1885;
13 - O Pharol - Juiz de fora - quarta 16 2 1886.
Notas:
- Macieira de Cambra e Valgalhardo são vilas portuguesa do concelho de Vale de Cambra. O Vale de Cambra é uma cidade portuguesa situada no Distrito de Aveiro. Pertence à Grande Área Metropolitana do Porto.
10 - COELHO, Nelly Novaes. "Dicionário crítico de escritoras brasileira: 1711-2001, pag 319;
11 - Jornal "Diário de Notícias", ANNO II, N. 373 - Rio de Janeiro, quarta-feira, 16 de junho de 1886;
12 - Jornal "O Pais" - Rio de Janeiro, terça-feira, 17 de fevereiro de 1885;
13 - O Pharol - Juiz de fora - quarta 16 2 1886.
Notas:
- Macieira de Cambra e Valgalhardo são vilas portuguesa do concelho de Vale de Cambra. O Vale de Cambra é uma cidade portuguesa situada no Distrito de Aveiro. Pertence à Grande Área Metropolitana do Porto.
1 comentários:
Maravilhosa matéria que resgata a memória de um gênio das letras, cuja história eu não conhecia.
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