quinta-feira, 3 de outubro de 2013

À LA DIABLE... - PEDACINHOS DE OURO



À LA DIABLE...
Do poeta sírio Elias Farhat (Ilyãs Farhãt)
Tradução de Paulo Tacla

PEDACINHOS DE OURO

- I -
A Síria é qual um náufrago que tivesse a má sorte de cair entre os tubarões do rio Sena e do Tâmisa.

- II -
Pode conhecer-se os limites geográficos das Pátrias imperialistas da Velha Europa, porém nunca se conhecerá os limites das suas ambições.

- III -
A Europa envia para a Síria as suas missões religiosas, com semblante de Cristo e entranhas de judas, para pregar aos sírios o Evangelho por eles escrito.
Se tais missões entrassem no céu semeariam, sem dúvida, a discórdia entre os eleitos.

- IV -
É o cúmulo da misericórdia impor a Caridade a ferro e a fogo.

- V -
Oh! Síria! a única culpa que tens é a de seres bela e quantas vezes a beleza numa virgem tem sido o motivo de desgraça. Acautela-te dos teus pretendentes; esses pretendentes que não cobrem com seda o corpo da sua amante sem a despirem da honra.

- VI -
A aliança dos Árabes com Llold George e Clemenceau, durante a Grande Guerra teve a mesma sorte da aliança da ovelha com o lobo.

- VII -
O general Gourand com a fronte erguida entre as cabeças baixas das autoridades libanesas por ele nomeadas, semelha-se a um cipreste erguido entres os túmulos.

- VIII -
Oh! Cristo! protege a tua Pátria contra os seus protetores.

- IX -
Na Batalha de Maiçalum a única arma que os sírios possuíam era o Direito e esta era a única que faltava aos franceses.

- X -
Aqueles que venderam a sua pátria a troco de medalhas da "Legião de Honra" devem vender estas medalhas para comprar com o seu produto um pouco de vergonha.

- XI -
Dizem certos renegados sírios que não temos armas para combater os invasores. Mentira! Só as medalhas distribuídas pela França, na Síria, dariam, fundidas, centenas de canhões e milhares de espadas.

- XII -
Aquele que ignora o que o dia de amanhã reserva-lhe deve inquirir o dia de ontem.

- XIII -
Se os carneiros tivessem a bravura dos leões não haveria quem apreciasse a sua carne.

- XIV -
O ouro que constrói os "arranha-céus" não pode construir um caráter arruinado: muitos dos campeões de natação nos mares da riqueza são náufragos em mares da baixeza.

NOTA: — Ante o trucidamento inominável e inarrável dos bravos defensores da Liberdade da Síria, crime esse exercido pelos janízaros a soldo dos imperialistas insaciáveis de uma nação europeia — ontem o símbolo do Direito — hoje sentinela da Dominação — lembrei-me de transladar para a língua luso brasileira alguns pensamentos extraídos do admirável livro "Al-Rabih" de autoria do perfeitíssimo poeta Elias Farhat, o Junqueiro sírio, pela profundeza das suas ideias, pela impecabilidade e pela emoção transbordante de seus poemas e "rubaiat".

 FONTE: Bicas Jornal, ANO II, N.º 102 - Terça-feira, 26 de julho de 1927



Se cortássemos todos os cedros do Líbano
e os cedros são fonte de inspiração
E com ele erigíssemos aqui um templo
Cujas torres atravessassem as nuvens,
Se arrebatássemos de baalbeck e de palmira
Vestígios do nosso passado glorioso.
Se arrancássemos de Damasco,
O túmulo de Saladino
E de Jerusalém, o sepulcro
Do Redentor dos homens.
Se doássemos todos esses tesouros
À grande nação independente
E a seus generosos filhos
Sentiríamos que ainda assim,
Não pagamos tudo o que devemos
Ao Brasil e aos Brasileiros.
 
Poesia selecionada em concurso realizado pela colônia libanesa para a comemoração do centenário da Independência do Brasil, em 1922 e vencedor também do concurso que foi realizado quando da inauguração do monumento “Amizade Síria-libanesa” no Parque D. Pedro II em 1928. Monumento este que, em 1988, foi transferido para uma praça, nas proximidades da rua 25 de março.  (1922). (KHATLAB 2002, p.64 - KHATLAB, Roberto. Brasil-Líbano: Amizade que Desafia a Distância. Bauru: EDUSC, 1999)

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 Segundo Roberto Khatlab, (*) cujo belo texto transcrevemos abaixo, "...a literatura árabe no Brasil teve seu apogeu no final do século 19 e inicio do século 20, momento da grande imigração árabe para o Brasil. Entre vários emigrantes estavam também os intelectuais, escritores, poetas, fugindo do Oriente por causa de perseguições,  problemas sociais e financeiros. Os intelectuais preocupados com a preservação da língua árabe, que estava sendo coberta pela língua turca, do império otomano, iniciaram a formação de grupos  de pessoas que escreviam livros e fundavam  jornais e  revistas em idioma árabe e assim surge, em 1933, a “Liga Nova Andaluzia”,  com o objetivo de  conservar a lingua e a literatura  árabe no Brasil. A Liga  criou uma revista com o mesmo nome “Al-Usbuat” (Liga Andaluzia de Letras Árabes – 1933 a 1953), para publicar todo tipo de literatura árabe e que teve uma grande importância, visto os artigos e poesias publicadas, un rico acervo para a literatura arabe publicada no Brasil.  Entre os escritos, surgem as poesias  românticas, mas também com cunho social. Várias obras-primas floresceram no Brasil e contribuíram com a Renascença (“Nahda”) árabe  no Oriente. Prestigiosos nomes podem ser citados, entre outros, cito aqui Elias Habib Farhat, mais conhecido como Elias Farhat..."
"...Trabalhando no comércio em São Paulo, Belo Horizonte e Curitiba, Elias não deixou de desenvolver também sua paixão pela literatura e no Brasil começou a escrever com espontaneidade e de forma realista, que contribuiu com a “Nahda” árabe no Brasil,  podendo  ser considerado  um dos representantes  da literatura árabe no país..."
 (http://www.icarabe.org/artigos/elias-farhat-o-poeta-libano-brasileiro-do-arabismo)

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Elias Farhat nasceu em Kfarchima, Monte Libano, em 1893, e faleceu no Brasil, em 1976, país para o qual emigrou em meados de 1910. Morou inicialmente em Minas Gerais e depois em São Paulo, onde se tornou caixeiro viajante de uma fábrica de tecidos. Depois foi para o Paraná na década de 30, morando na Lapa por cerca de 18 anos, onde se casou, em 1921, com Júlia Bishara Gibran, prima do escritor Gibran Khalil Gibran, formando uma família da qual nasceram quatro filhos: Khaled, Laila, Muna e Issam. Morou também um ano em Curitiba, cujos descendentes - uma parte deles – lá vivem.
Em 1922, venceu concurso da colônia sírio-libanesa de São Paulo pelo centenário da independência, com um poema que está gravado em um monumento no parque Ibirapuera. Nos anos 1940, venceu outro concurso, dessa vez no Egito, o que lhe valeu o epíteto de “príncipe dos poetas árabes”.
Em 1959, com o Líbano já independente, Elias faz uma grande viagem pelo Oriente Médio, onde é recebido por  homens de letras e autoridades. Na Síria, recebeu a comenda do governo.
Publicou diversos livros, como "Rubaiat", "Sonhos de um Pastor" e o mais famoso, "Frutos Temporões", todos em árabe. Morreu em Belo Horizonte aos 86 anos.

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Elias Farhat participou ativamente de um movimento Árabe cultural, que congregava imigrante e descendentes daquela etnia e cuja preocupação era "promover a literatura árabe em mahyar por vários meios, criar e consolidar o conhecimento ligado cordialmente entre o Círculo e as associações literárias árabes, combater o fanatismo e purificar as crenças e as tradições que negam o espírito do tempo e levam a um pensamento preconceituoso". (Akram Zuaytar, "al-Usba al-Andalusiyya - O Círculo Andaluz) Segundo Jamil Safady (1974:165), e outros autores o grupo foi formalmente criado em 5 de janeiro de 1933 na casa, em São Paulo, de Mishal (Michel) Maaluf (1889-1942), presidente, e Dawud Shakur (1893-1963) como vice-presidente. Outros autores relevantes da mesma, devem Habib Masud (1899), Shafiq Maaluf (1905-1976), Riad Maaluf, Elias Farhat (1893-1976), Rachid Khuri, Rashid Salim Juri, também chamado al-Shair al-Qarawi (o "Poeta Camponês", 1887-1984), Aql e Shukr Allah Yurr, Nars Simán, etc. Era um movimento cultural, promovido por nomes da intelectualidade árabe residentes no Brasil. O criador desta agremiação foi Chucralla Al-Jorr, residente no Rio de Janeiro que contactou alguns poetas e escritores em São Paulo. O grupo constava om mais de trinta congregados, sendo entre Árabes e descendentes, entre poetas e intelectuais e que tinham como objetivo as discussões sobre as questões históricas, a memória, a identidade cultural, etc daqueles "exilados". (Marcela Maria Freire Sanches - Nova Andaluzia: a Memória da Intelectualidade árabe no Brasil.) Ele foi considerado como um puro representante da literatura árabe no Brasil. 
Ele representou através de seu poema, a base da nação Árabe, uma etnia única. Seu poema transformou o conceito de Oriente Médio, relacionando-o não com um lugar mas com um povo único.



 (*) Roberto Khatlab, diretor do Centro de Estudos e Culturas da América Latina da Universidade Saint-Esprit de Kaslik e pesquisador no Centro de Estudos da Emigração Libanesa da Universidade Notre Dame, no Líbano. Autor de vários livros sobre as relações Brasil-Líbano, entre eles Mahjar, Saga libanesa no Brasil (bilíngue português-árabe), Editora Mukhtarat, Beirute, Líbano.

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