VIAGENS
DE UM ESPÍRITO-SANTENSE À MINAS
EM 1886
EM 1886
Peregrino, em terra estranha não posso
furtar-me ao dever de dizer qualquer cousa em relação aos progressos da
província de Minas, quanto á sua cultura, transformação do trabalho escravo e
indústrias.
Limitar-me-ei a descrever esse rápido
desenvolvimento somente dos lugares ondo a boa ou má sorte tem-me feito dar com
os costados.
Começarei pelo Mar de Espanha. Esta
populosa cidade, outrora denominada Cágado, a despeito das vias férreas que
atraíram para suas Estações o concurso de todas as classes, não tem perdido um
ceitil da antiga importância, porque pela vasta extensão de seu município,
fertilidade do terreno e riqueza, dos lavradores, grande soma do capital
converge em seu benefício. O patriotismo de todas as classes, quer de dentro da
cidade, quer das imediações, está tão acentuado, que pondo à margem os
desvarios da política, abraça-se e confraterniza-se todas as vezes quo o
município precisa de seu concurso para o desenvolvimento moral, intelectual e
industrial.
A lavoura do município é
incontestavelmente uma das mais ricas da Província sendo a maior parte dos
lavradores cafesistas. O terreno, conquanto |seja em sua maior parte frio,
todavia, apesar do café ser tardio há compensação, pelas vantagens obtidas com
as máquinas para seu preparo. Raro é o fazendeiro, ou mesmo situante que não
disponha do um excelente maquinismo para preparo do precioso grão; de sorte
que, se não fazem grandes colheitas de café, fazem bonitas colheitas de
dinheiro, porque os cafés preparados em máquinas onde existem catadores, separadores e descascadores
dão sempre (mesmo na baixa) de 1$000 a 1$500 mais do que os
preparados pelo sistema ainda adotado em quase toda a Província do Espirito
Santo.
Quanto ao complicado problema do elemento
servil, já é questão ventilada pelos lavradores do Município do Mar de Espanha,
salvo uma ou outra exceção. Acreditam todos que em 1890 pouco mais ou menos,
esse cancro denominado escravidão terá deixado de existir, e nesta emergência
muitos lavradores preparam casas pequenas e dependências como; pastos, cercas,
etc. para os futuros colonos, que serão mesmo os libertos. Não é raro ver-se
lavradores com pequenas lavouras de parceria, divididas entre os ex-escravos, e
estes satisfeitos.
Já tenho ouvido de diversos lavradores,
que é impossível contar-se com colonos estrangeiros, que deles não
necessitamos; porque de entre os escravos que forem educados de harmonia com o
século que nos rege, sairão os verdadeiros colonos, e que têm direito de amar a
sua pátria, abençoar seus benfeitores e obter um nome e posição na sociedade
que façam esquecer as amarguras do começo de sua existência.
Bem sei que esta ideia de colonizar
libertos não está do acordo com o que pensam os briosos paulistas, mas em todo
o caso denota humanidade; porque considerando os fazendeiros daqui, que a raça
Etíope é sempre menos pesada, precisam de patrocínio, para que mais tarde não
se tornem homens perigosos e prejudiciais à sociedade.
A E. de F. União Mineira que parte da
Estação da Serraria e vai entroncar com a Leopoldina ao lugar (Pequena Estação)
denominado Ligação ao pé de Ubá; corta o Município do Mar de Espanha; havendo
no Município 3 Estações (se não me engano): Santa Helena, São Pedro e Bicas.
Esta última fica 3 ou 4 quilômetros distante do arraial do Espirito Santo do
Mar de Espanha e é onde funcionam as oficinas da Estrada de Ferro. Nas Bicas é
admirável o movimento comercial, pois bem longe está de parecer uma Estação,
mais parece-se uma povoação de arrabaldes da Corte, pela elegância, beleza da
localidade e movimento: tem dois médicos, duas farmácias, colégios de ambos os
sexos, fábricas, uma excelente Igreja, jardins, etc.
O movimento da Estação, isto é, a
exportação de café por aquela Estação é excessiva, não só dos cafés do Município,
corno mesmo de muitos lavradores de São João Nepomuceno, pois que a Estação
das Bicas está na divisa da freguesia do Espirito Santo com São João
Nepomuceno.
A Estação das Bicas, sendo uma das mais
rendosas da via-férrea União Mineira, veio satisfazer uma das mais palpitantes
necessidades dos habitantes circunvizinhos; no entretanto a inauguração dessa
Estação veio aniquilar, se não matar o antigo arraial do Espirito Santo, berço
de uma grande parte de lavradores, capitalistas e proprietários que hoje moram
na Província
do Espirito Santo.
Em todo o caso, apesar da derrota que
sofreu o arraial, não decaiu de todo, e hoje, graças aos esforços dos srs. Com.
Antônio José Gomes Bastos, Cap. José Antônio de Oliveira, comendador Daniel Joaquim Vaz Ferreira, Antônio José Bastos Pinto e outros o
arraial vai tomando novo alento tendo-se reconstruindo a antiga Matriz, que
ameaçava ruir, canalizado as águas que transpunham a povoação, e, enfim,
procuram reabilitá-la.
A indústria sacarina no Município do Mar
de Espanha não é desenvolvida, mas em todo o caso ela existe. A fundação de um
engenho Central no limite do Município com São João Nepomuceno, daria grande
alento ou, muita vida ao Município. O lugar mais apropriado, segundo opiniões
de lavradores práticos será nas proximidades das Bicas, onde os terrenos
cansados só prestam para o café com muitos sacrifícios, dependendo dos
lavradores mandarem estrumá-los como estão fazendo; e para o cultivo da cana
dispensaria esse pesado trabalho, isto é, com arado se preparava o terreno.
Esquecia-me de dizer: os lavradores de
café neste Município aproveitam (e dizem que com vantagem) a casca do café, e
espalham-na pelos cafezais, dizendo eles ser o melhor esterco. Para mim é uma
novidade isto, e se algum dia for fazendeiro hei de experimentar.
Termino tendo em mão o "Mar de Espanha" jornal que se
publica na cidade do mesmo nome. É de pequeno formato, imparcial e bem redigido
sondo seus redatores diversos. Está no 1.º ano de existência e tem grande
circulação.
Fazenda da Serra, Minas, 10 de Novembro
de 1886
Orestes
Jornal "O Cachoeirano", 26 de dezembro de 1886
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