VENENO
OPHIDICO
Do Espirito Santo do Mar de Espanha,
escreve o Sr. Antônio A. Carvalho, a seguinte carta ao Dr. Lacerda:
“Ilm.º. Sr. Dr. Lacerda. — Parabéns, mil
parabéns, por tão feliz descoberta.”
Mais um caso a registrar.
“Às 9 horas da noite do dia 22 de março
do corrente ano fui chamado, e eu por minha parte convidei ao distinto facultativo
Sr. Dr.
José Joaquim Monteiro de Castro, para vermos um escravo do Sr. Antônio
José da Costa, que tinha sido picado por uma cobra, as 9 horas da manhã. O
escravo era de constituição regular, temperamento sanguíneo nervoso, de 16 anos
de idade, mais ou menos, gozando sempre boa saúde, carreiro de profissão.
Apresentava na hora da visita o
seguinte: agitação, insônia, olhos demasiadamente abertos, conjuntivas
excessivamente injetadas a ponto do simular uma placa de sangue ou equimose subconjuntival;
cefalalgia frontal intensa, língua com as bordas cor de lacre, e nos dois
terços posteriores coberta de uma saburra negra, hálito fétido e ácido, vômitos
constantes de natureza hemorrágica, assemelhando-se a sangue coagulado em
pequenas massas e do cor quase negra; urinas avermelhadas e em pequena
quantidade, extraídas pela sonda; tosse seca, dispneia, frequência das
pulsações do coração, pulso pequeno, filiforme, miserável, suores frios, e viscosos
na região frontal.
Na região tíbio-tarsiana, parte
anterior, existia uma pequena solução de continuidade, tumefata e dolorosa à
menor pressão, indicando o lugar em que a cobra havia mordido; a dor
prolongava-se em toda a perna.
Nestas condições foram, aplicadas pelo
distinto Dr. Monteiro, três injeções com o permanganato de potássio, à razão de
1/100, e com intervalos de uma hora, senão duas nas proximidades do lugar
mordido e com uma grama da solução e uma injeção com meia grama da solução no
lado interno da coxa. No dia seguinte foram feitas mais duas injeções de uma
grama, da solução sendo uma na coxa e uma no braço. Após as primeiras injeções,
o estado geral foi sucessivamente melhorando pela cessação dos vômitos, da
ansiedade, da hemorragia das escarificações que se havia, feito junto ao lugar
mordido, e da hemorragia das gengivas, as quais eram abundantes. Graças
exclusivamente ao permanganato de potássio, alguns dias depois o escravo
achava-se completamente restabelecido.
O escravo fora mordido às 9 horas da
manhã, e ás 9 da noite apresentava todos os sintomas de um envenenamento
completo, caracterizado pela absorção da peçonha, que levou sua ação
destruidora a toda a massa sanguínea, e aos grandes centros nervosos.
Não restava, pois, a menor dúvida que o
escravo estava envenenado, e, nestas críticas circunstancias, sendo empregado
tão somente o permanganato de potássio ele triunfou do mal, restituindo a saúde
a um infeliz, que foi julgado irremediavelmente perdido.
Se esta minha tosca exposição pode ser
útil a V. S., faça dela o uso que lhe aprouver.
Sou, com a maior
admiração e respeito, de V. S. atento venerador e criado -Antônio Cândido A.
Carvalho."
Fonte: Jornal "Gazeta de Notícias", 29 de julho de 1883.
O Dr. João Batista de Lacerda (Campos
dos Goitacases, 12 de julho de 1846 — Rio de Janeiro, 6 de agosto de 1915) foi
um médico e cientista brasileiro.
Formado médico pela faculdade do Rio de
Janeiro, clinicava em sua cidade natal quando foi nomeado pelo ministro da
Agricultura subdiretor da seção de antropologia, zoologia e paleontologia do
Museu Nacional.
Mais tarde, foi eleito subdiretor do
laboratório de fisiologia experimental, que ajudou a organizar em conjunto com Louis Couty. Nesta época, fez estudos
pioneiros com o curare e os venenos de ofídios e anfíbios. Descobriu a ação
neutralizadora do permanganato de potássio sobre a peçonha da cobra.
Dedicou-se também à microbiologia e a
estudos sobre febre amarela. Foi diretor do Museu Nacional e presidente da
Academia Nacional de Medicina. Foi autor de estudos sobre o homem fóssil do
Brasil e em 1878 foi premiado com a medalha de bronze na exposição
antropológica de Paris.
Fonte: Wikipedia
0 comentários:
Postar um comentário