Mar de Espanha
À antiga província de Minas, pobre, e de um orçamento escasso que apenas chegava para socorrer as suas necessidades mais urgentes, com grande dificuldade mantinha nos centros mais populosos de seu vasto território uma casa de latim E assim era que S. João d'El Rey, Barbacena, Sabará, Pitanguy, em Diamantino, Campanha e mais alguns poucos lugares alegravam-se em ter no seu seio um núcleo de jovens que ali recebiam a instrução, que algum dia haveriam de ser seus representantes, professores distintíssimos, como soube desta terra generosa, tinham satisfação íntima em educar a mocidade, pôr em suas mãos o Tito Lívio, Cícero, Epodes, e a arte poética de Horácio, Plínio, Sêneca, Eneida e Bucólicas do Virgílio, e mais outros seletos autores, de modo que um discípulo, concluído o estudo do latim, sabia português, tinha noções mais ou menos de geografia, historia, literatura, retorica, filosofia; e por essa forma era a mocidade educada nos princípios rígidos e virtuosos do povo romano e espartano, d'onde vem até hoje o caráter excepcional do mineiro, que se distingue de todo outro qualquer Estado, que lhe faz honra e inveja.
Em Roma desejava-se ser da Ilma família dos Fabios e tinha-se em grande honra uma matrona romana; uma Lucrécia era olhada com respeito e veneração, e recebia-se com agradabilíssinia sensação uma alusão feita a essa família e não de pouco brilho! Hoje, que qualquer capacidade de nossas faculdades científicas não poderia desempenhar bem a missão de professor de português, julga-se essa referencia de monospreço. Desde o principio do mundo que o animal de carga foi considerado como o instrumento primórdio do progresso; com o povoamento do solo e melhoramento das estradas como a Via Apia, a Via Claudia, passou-se para os carretos e carroças de eixo, móvel primeiro e fixo posteriormente; e destas para as vias férreas a vapor e hoje se exigem as elétricas.
Nós, habitantes de um país novo, passamos por tudo isso. Os nossos produtos iam para o Rio de Janeiro nas costas de animais, depois em carroças pela estrada macadara da União e Indústria e logo após pela estrada de ferro. O presidente da nossa edilidade, moço muito distinto, verdadeiro gentleman, amante do seu torrão natal, capaz de todo o sacrifício para vê-lo próspero e feliz, porém ainda muito jovem, não pensando maduramente nas coisas, querendo por em prática a primeira ideia que vem à sua cabeça de fogo, tonteia, esbarra e não faz nada! Meu infante, atenda o que já se condenou: a cangalha e a carroça e que hoje a questão é de vias férreas, já não a vapor, porém elétricas. Hoje é fora de questão que nas estradas macadamizadas vão mais carros que nas férreas. A União e Indústria apesar de ter alguns trechos bem fortes como em Entre Rios e Serraria, que é de 8%, é um exemplo bem vivo. Se a estrada de rodagem não for toda macadamizada não adianta a ideia. Aí está o Chiador interminável na maior emergência.
O meu jovem presidente é do tempo do magister dixit, que as ciências modernas tem trabalhado para provarem o seu absurdo. Como não há de ser assim se já baniram das escolas as ciências de Sócrates, Platão, Quintiliano, para só predominar o positivismo?! O meu infante presidente interpretou mal a Constituição e a lei orgânica municipal, e convenceu-se de que não se pode fazer estradas de ferro, e assim também os Srs. majores Costas. Pois bem, não correrão muitos meses que a locomotiva silvará em Guarará e de mais um pouco de tempo percorrerá até Maripá, e o seu eco estridente repercutindo pelos vales e quebradas das montanhas e serpeando pelos cabeceiros do Angu, chegará até a morada do Sr. major Alberto Costa e o despertará de um letargo nestas noites de frio inverno, e então com esta prova material .se convencerá .de que deu um parecer errado e que muito concorreu para o atraso de seu município.
A Europa trata seriamente das ferrovias leves o não de estradas de rodagens, e de poderem as corporações locais construí-las, ficando livre a proporção do leito, peso.. dos trilhos, cercas, sinais, giradores, velocidade das locomotivas e outros detalhes sujeitos a variações e dependentes da natureza do terreno e da espécie do tráfego, e por isso pode-se dizer que ferrovia livre é qualquer adoção sensata de trilhos e força motriz às condições e necessidades de um certo distrito. Pode ter qualquer bitola, qualquer peso de trilhos, qualquer espécie de motor, qualquer sorte de material rodante. Já vêem pois os Srs. majores Costas que podiam ter modificado o projeto do Sr. alferes Ramos e darem parecer favorável. Senhor jovem Presidente, acompanhemos a Europa, lancemos a barra adiante se for possível.
Se o congresso nunca definir os casos em que se podem conceder privilégios industriais, havemos de ficar esperando? E se ele ferir o art. 68 da Constituição Federal, havemos de respeitá-lo, perdendo nossa autonomia? Por hoje fico aqui. Em ocasião oportuna voltarei ao assunto e falarei da áurea lei do ilustre presidente sobre água e esgotos nos distritos, e demais outros.
Fabrício
Jornal "Gazeta de Noticias", Rio de Janeiro
segunda-feira, 6 de maio de 1895
Jornal "Gazeta de Noticias", Rio de Janeiro
segunda-feira, 6 de maio de 1895
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