O BARÃO DE
AIURUOCA
Não há muito
tempo publicamos urna carta de um dos nossos correspondentes do interior sobre
a morte do barão de Aiuruoca, Custodio Ferreira Leite, venerando ancião de
virtudes raras nestes tempos que correm.
No dia 17 de
dezembro sufragou-se na matriz da Barra Mansa a alma desse conspícuo varão, por
iniciativa de uma sua parenta a Sra. Dona Mariana Carlota de Almeida Leite
Guimarães, e tendo-nos sido remetido o discurso que por essa ocasião proferia o
Sr. Manoel Carlos Barros, é com grande satisfação que nos apressarmos a
publicá-lo, associando-nos às homenagens prestadas à memória de um dos mais
belos caracteres morais de que a humanidade parece que vai perdendo o tipo, de
raros que já são.
DISCURSO
PROFERIDO PEI.O SR. MANOEL CARLOS BARROS
NA OCASIÀO DE CELEBRAR-SE A MISSA DO
TRIGÉSIMO DIA
DO PASSAMENTO DO VENERÁVEL ANCIÃO,
O EXMO. BARÃO DE AIURUOCA
NA
MATRIZ DA BARRA MANSA NO DIA 17 DE DEZEMBRO DE 1859.
Senhores. — É
morto o barão de Aiuruoca, que já entre nós viveu e morreu com o nome popular
de — Custódio Ferreira Leite, nome mais memorável, mais glorioso, mais digno de
acatamento, do que o dos títulos heráldicos com que quisessem cobri-lo.
O simples nome
de Custodio Leite queria dizer: amizade sincera, dedicação, honradez,
filantropia, patriotismo, e piedade.
Ele possuía as
mais belas virtudes do homem, do cidadão e do cristão.
Não lhe venho
fazer aqui um elogio; e se o fizesse, não seria pela nobreza de seus títulos
(coisa sem valor ante a igualdade do sepulcro), mas sim pela grandeza de suas
ações.
Nem a lisonja
poluirá meus lábios, por que nunca devi a esse homem distinto, que nada negava,
que a todos servia, senão muita e sincera admiração por suas virtudes, hoje tão
raras no mundo. E se lhe devo gratidão é somente como um do povo, deste povo
habitante do vale do Paraíba, em cujas margens ele deixou indeléveis os traços
de sua passagem na terra.
E, Sres., se há
lugar, se há povo, que tenha o dever de sufragar o ilustre finado, e de
render-lhe justas lágrimas, é por certo o da Barra Mansa, que deve-lhe sua
fundação, seus princípios, o começo do sua civilização.
Oriundo de
Minas, onde nasceu em 1782, o barão de Aiuruoca dedicou-se em seus primeiros
anos ao comércio, fazendo para isso algumas viagens ao Rio Grande do Sul, e
pouco tempo havia que, abandonando essa carreira, onde sua liberdade, sua pouca
ambição, e sua severa probidade e lisura não lhe asseguravam vantagens, voltara
à província natal, quando em 1810, tendo então 28 anos de idade, foi
encarregado pelo governo d’EI rei D. João VI de explorar o rio Paraíba a ver
se descobria minas de ouro.
Empreendeu ele
uma viagem arriscada por mais de um perigo, navegando rio abaixo até Paraíba do
Sul em uma frágil canoa, sem encontrar vestígios de habitação, a não ser uma
choupana em ruínas, incendiada pelos índios, selvagens, à margem esquerda do
rio, em uma paragem hoje denominada Belmonte, uma légua pouco mais ou menos
abaixo desta cidade.
Desde então
começaram a descortinar-se esses sertões, onde boje existem importantes
fazendas, ricas povoações agrícolas, desde Barra Mansa, Amparo, Conservatória,
Valença, e Paraíba do Sul.
Mas de todos os
pontos percorridos preferiu estabelecer-se neste lugar da Barra Mansa, outrora
mais conhecido pelo nome de -Posse, - criando aqui uma povoação, que em 1825
conseguiu do Exmo. bispo Dom José Caetano, de saudosa memória, elevar a curato.
Tendo só em mira
o bem e o progresso desta povoação, de que era o fundador, Custodio Ferreira
Leite fez doação ao povo de um espaçoso terreno para edificar suas casas;
doação que, por intervenção minha, reduziu a escritura pública, e pôs à
disposição da câmara municipal para distribuir esse terreno pelo povo sem ônus
algum; doação de que o câmara também acaba de aproveitar-se mandando construir
ali o seu paço municipal.
Animado também
do espirito religioso, sem o que toda a civilização fica sem base, fez levantar
a capela mor da igreja matriz, no lugar onde ela se acha hoje edificada, em
termos de receber provisoriamente as imagens sagradas e prostrar-se ao culto
divino. Tirando em seguimento uma subscrição, fez com ela levantar os
alicerces do corpo da igreja.
Assim plantou os
fundamentos para que essa povoação, que em 1825 fora elevada à curato, o fosse
à categoria de vila em 1832. Em 1834 seu fundador, desgostoso, e cansado de
ingratidões, e injustiças, mudou-se para o mar de Espanha, onde foi abrir novos
terrenos incultos, e criar novas povoações, a fundar novas igrejas, a espalhar
novos benefícios.
Não me farei
cargo de comemorar esses benefícios, porque seria perturbar seu repouso,
ofendendo sua excessiva modéstia mesmo além da campa. Que o digno, que o sinta
e conheçam seus parentes, seus amigos, os estranhos, os desconhecidos, o até
(quem sabe?!) os seus inimigos, se e que os tinha, todos aqueles enfim que os
receberão, e que gratos a seu benfeitor devem prantear a sua morte, e fazer
votos para que sua alma, como de homem justo que era, descanse na mansão dos
justos.
Possam todos
nutrir os sentimentos, seguir* o exemplo da Exmª Sra. D. Mariana Carlota de
Almeida Leite Guimarães, parenta que ofertando hoje o óbolo santo das preces
religiosas, veio dar mais uma prova de seu apreço, e de sua gratidão para com o
finado barão de Aiuruoca.
Foi ele varão de
exemplar abnegação, de uma bondade e caridade admiráveis. Beneficiava a quantos
podia, e para não vexar, para não desgraçar aos que lhe deviam, preferia antes
sofrer, e empobrecer-se a si próprio. Perdoava a seus devedores, e sobretudo à viúvas
e órfãos, dividas e algumas de não pequenas quantias.
Achava-se
presente em toda a parte, onde o chamavam interesses alheios, ainda mesmo com
sacrifício dos próprios; e assim evitava ou cortava, com sua intervenção,
muitas inimizades, muitas divergências, muitos pleitos.
Mesmo em
negócios públicos muitas vezes prestou às províncias de Minas e Rio de Janeiro
relevantes serviços, desinteressadamente, sem outra ambição que a de servir a
seu país, já em explorações de terrenos, e aberturas de estradas, já em outras
obras públicas, com que bem serviu aos governos, e poupou-lhes maiores
despesas.
Como homem, e
como cidadão devemos pois lamentar a perda do barão de Aiuruoca.
Ele bem mereceu
do povo, do desvalido, da viúva, do órfão, a quem sempre se dedicou. Bem
mereceu da religião, para cujo engrandecimento sempre edificou quer por ações,
quer por obras.
Bem mereceu de
nós, porque criou esta povoação, dando-lhe terras para se alargar, e lançou os
primeiros fundamentos desta igreja, onde hoje dirigimos preces ao eterno por
esse homem justo, o benfazejo, por esse cidadão prestante, por essa alma cristã
a que desejamos repouso sem par no Céu.
Barra Mansa, 17
de dezembro de 1859.
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