sábado, 8 de março de 2014

O BARÃO DE AIURUOCA - DISCURSO PROFERIDO EM 17 DE DEZEMBRO DE 1859

O BARÃO DE AIURUOCA

Não há muito tempo publicamos urna carta de um dos nossos correspondentes do interior sobre a morte do barão de Aiuruoca, Custodio Ferreira Leite, venerando ancião de virtudes raras nestes tempos que correm.
No dia 17 de dezembro sufragou-se na matriz da Barra Mansa a alma desse conspícuo varão, por iniciativa de uma sua parenta a Sra. Dona Mariana Carlota de Almeida Leite Guimarães, e tendo-nos sido remetido o discurso que por essa ocasião proferia o Sr. Manoel Carlos Barros, é com grande satisfação que nos apressarmos a publicá-lo, associando-nos às homenagens prestadas à memória de um dos mais belos caracteres morais de que a humanidade parece que vai perdendo o tipo, de raros que já são.

DISCURSO PROFERIDO PEI.O SR. MANOEL CARLOS BARROS
NA OCASIÀO DE CELEBRAR-SE A MISSA DO TRIGÉSIMO DIA
DO PASSAMENTO DO VENERÁVEL ANCIÃO,
O EXMO. BARÃO DE AIURUOCA
NA MATRIZ DA BARRA MANSA NO DIA 17 DE DEZEMBRO DE 1859.

Senhores. — É morto o barão de Aiuruoca, que já entre nós viveu e morreu com o nome popular de — Custódio Ferreira Leite, nome mais memorável, mais glorioso, mais digno de acatamento, do que o dos títulos heráldicos com que quisessem cobri-lo.
O simples nome de Custodio Leite queria dizer: amizade sincera, dedicação, honradez, filantropia, patriotismo, e piedade.
Ele possuía as mais belas virtudes do homem, do cidadão e do cristão.
Não lhe venho fazer aqui um elogio; e se o fizesse, não seria pela nobreza de seus títulos (coisa sem valor ante a igualdade do sepulcro), mas sim pela grandeza de suas ações.
Nem a lisonja poluirá meus lábios, por que nunca devi a esse homem distinto, que nada negava, que a todos servia, senão muita e sincera admiração por suas virtudes, hoje tão raras no mundo. E se lhe devo gratidão é somente como um do povo, deste povo habitante do vale do Paraíba, em cujas margens ele deixou indeléveis os traços de sua passagem na terra.
E, Sres., se há lugar, se há povo, que tenha o dever de sufragar o ilustre finado, e de render-lhe justas lágrimas, é por certo o da Barra Mansa, que deve-lhe sua fundação, seus princípios, o começo do sua civilização.
Oriundo de Minas, onde nasceu em 1782, o barão de Aiuruoca dedicou-se em seus primeiros anos ao comércio, fazendo para isso algumas viagens ao Rio Grande do Sul, e pouco tempo havia que, abandonando essa carreira, onde sua liberdade, sua pouca ambição, e sua severa probidade e lisura não lhe asseguravam vantagens, voltara à província natal, quando em 1810, tendo então 28 anos de idade, foi encarregado pelo governo d’EI rei D. João VI de explorar o rio Paraíba a ver se descobria minas de ouro.
Empreendeu ele uma viagem arriscada por mais de um perigo, navegando rio abaixo até Paraíba do Sul em uma frágil canoa, sem encontrar vestígios de habitação, a não ser uma choupana em ruínas, incendiada pelos índios, selvagens, à margem esquerda do rio, em uma paragem hoje denominada Belmonte, uma légua pouco mais ou menos abaixo desta cidade.
Desde então começaram a descortinar-se esses sertões, onde boje existem importantes fazendas, ricas povoações agrícolas, desde Barra Mansa, Amparo, Conservatória, Valença, e Paraíba do Sul.
Mas de todos os pontos percorridos preferiu estabelecer-se neste lugar da Barra Mansa, outrora mais conhecido pelo nome de -Posse, - criando aqui uma povoação, que em 1825 conseguiu do Exmo. bispo Dom José Caetano, de saudosa memória, elevar a curato.
Tendo só em mira o bem e o progresso desta povoação, de que era o fundador, Custodio Ferreira Leite fez doação ao povo de um espaçoso terreno para edificar suas casas; doação que, por intervenção minha, reduziu a escritura pública, e pôs à disposição da câmara municipal para distribuir esse terreno pelo povo sem ônus algum; doação de que o câmara também acaba de aproveitar-se mandando construir ali o seu paço municipal.
Animado também do espirito religioso, sem o que toda a civilização fica sem base, fez levantar a capela mor da igreja matriz, no lugar onde ela se acha hoje edificada, em termos de receber provisoriamente as imagens sagradas e prostrar-se ao culto divino. Tirando em seguimento uma subscrição, fez com ela levantar os alicerces do corpo da igreja.
Assim plantou os fundamentos para que essa povoação, que em 1825 fora elevada à curato, o fosse à categoria de vila em 1832. Em 1834 seu fundador, desgostoso, e cansado de ingratidões, e injustiças, mudou-se para o mar de Espanha, onde foi abrir novos terrenos incultos, e criar novas povoações, a fundar novas igrejas, a espalhar novos benefícios.
Não me farei cargo de comemorar esses benefícios, porque seria perturbar seu repouso, ofendendo sua excessiva modéstia mesmo além da campa. Que o digno, que o sinta e conheçam seus parentes, seus amigos, os estranhos, os desconhecidos, o até (quem sabe?!) os seus inimigos, se e que os tinha, todos aqueles enfim que os receberão, e que gratos a seu benfeitor devem prantear a sua morte, e fazer votos para que sua alma, como de homem justo que era, descanse na mansão dos justos.
Possam todos nutrir os sentimentos, seguir* o exemplo da Exmª Sra. D. Mariana Carlota de Almeida Leite Guimarães, parenta que ofertando hoje o óbolo santo das preces religiosas, veio dar mais uma prova de seu apreço, e de sua gratidão para com o finado barão de Aiuruoca.
Foi ele varão de exemplar abnegação, de uma bondade e caridade admiráveis. Beneficiava a quantos podia, e para não vexar, para não desgraçar aos que lhe deviam, preferia antes sofrer, e empobrecer-se a si próprio. Perdoava a seus devedores, e sobretudo à viúvas e órfãos, dividas e algumas de não pequenas quantias.
Achava-se presente em toda a parte, onde o chamavam interesses alheios, ainda mesmo com sacrifício dos próprios; e assim evitava ou cortava, com sua intervenção, muitas inimizades, muitas divergências, muitos pleitos.
Mesmo em negócios públicos muitas vezes prestou às províncias de Minas e Rio de Janeiro relevantes serviços, desinteressadamente, sem outra ambição que a de servir a seu país, já em explorações de terrenos, e aberturas de estradas, já em outras obras públicas, com que bem serviu aos governos, e poupou-lhes maiores despesas.
Como homem, e como cidadão devemos pois lamentar a perda do barão de Aiuruoca.
Ele bem mereceu do povo, do desvalido, da viúva, do órfão, a quem sempre se dedicou. Bem mereceu da religião, para cujo engrandecimento sempre edificou quer por ações, quer por obras.
Bem mereceu de nós, porque criou esta povoação, dando-lhe terras para se alargar, e lançou os primeiros fundamentos desta igreja, onde hoje dirigimos preces ao eterno por esse homem justo, o benfazejo, por esse cidadão prestante, por essa alma cristã a que desejamos repouso sem par no Céu.

Barra Mansa, 17 de dezembro de 1859.

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