Em um
dia aprazível, uma temperatura de 17º à sombra,
sob um céu
de abril, de puríssimo azul, um dos comboios da Leopoldina Railway
transporta-me em seu seio de São Pedro de Pequeri para
a cidade de Mar de Espanha.
Quantas
evocações me vem à mente
de há sete anos atrás, quando essa viagem era feita a troly
vagaroso, puxado por seis alimarias morosas, atulhado de passageiros, que se
sujeitavam a um verdadeiro tormento de três intermináveis horas, em que os solavancos produzidos pelo veículo determinavam encontrões
e acotovelamentos entre os viajantes que ficavam equimosados, quando tinham a
suprema e inaudita ventura de não serem cuspidos no leito da estrada mal
cuidada e cheia de barrancos...
Felizmente, tempora mutantur, uma plêiade de patriotas, a cuja
vanguarda se achava o dr. Estevão Leite de Magalhães Pinto, um dos maiores
benfeitores do município, a que deve o berço, levou avante a ideia, acalentada há longos anos pelo povo mardespanhense, e
traduziu em realidade o sonho que o embalava, conseguindo a construção do ramal
férreo, que proporciona ao visitante uma viagem cheia de comodidade e conforto, de setenta minutos apenas.
Quanta
transformação se operou daquela data em diante!
Em
vez do troly, puxado a burros,
com os inconvenientes apontados, um comboio em vertiginosa carreira, galgando serras, atravessando vales, como uma fera enraivecida,
deitando baforadas de fumo que se evolam no espaço em plumosas espirais,
soltando silvos que ecoam de quebrada em quebrada e retumbam de
montanha em montanha, arrancando as populações dos arredores da letargia em que
se achavam imersas, e convidando-as à luta, ao trabalho, desvendando-lhe os segredos do progresso, a que, n0 curto espaço de seis
anos, já se têm afeito.
As
terras outrora desvalorizadas, cobertas de ervas daninhas e ressequidas, hoje
se ostentam ferazes, ocupadas por verdejantes culturas 0u por médioss rebanhos denotando à primeira vista o
desenvolvimento, a que atingiu o
povo que as habita.
A
aura progressista que bafejara até aos campos era pronunciadora de grandes
mutações na cidade; mas, estas ultrapassaram a minha expectativa.
A
cidade, pitoresca e encantadora, bem pode ser comparada a um
belo painel emoldurado pelas altivas e
verdejantes
montanhas que a circundam, garantindo-lhe condições de grande salubridade.
É
ligada à estação férrea pela Avenida Bueno
Brandão, a cujo término se acha o parque Agostinho??Fortes,
um dos mais belos parques das cidades mineiras, caprichosamente cuidado, tendo ao centro custoso coreto em que aos domingos bem ensaiada banda de música
regala a população, fazendo-a ouvir os belos trechos de
seletos autores.
Ao
fundo do parque, ergue-se artística matriz das Mercês, um dos mais suntuosos
templos da Zona da Mata e cujo interior é decorado
por trabalhos verdadeiramente artísticos.
Para
os diversos pontos
da cidade partem amplas ruas, ladeadas de
passeios bem conservados e edifícios dignos de nota, entre os quais o da Câmara
Municipal, com uma bela fachada, cheia de colunas e ornatos, o do Fórum, grupo escolar e vários outros
dão a cidade um aspecto agradável.
A
limpeza é a mais rigorosa e a higiene absoluta.
Em
minha pouca demorada estadia tive
oportunidade de visita à
diversos estabelecimentos, entre outros, o grupo escolar Estevão Pinto,
Instituto Barão de São Geraldo, Escola Normal e Casa de Caridade.
O
grupo escolar Estevão Pinto, localizado em ponto conveniente e instalado em um
prédio confortável, satisfazendo a todas as exigências higiênico-pedagógicas, com
oito salões de aula, oficina de trabalhos manuais, sala de espera, diretoria,
gabinete de professoras, música e três vastos pátios para exercícios físicos e
recreio dos alunos, é um estabelecimento modelar
e que ocupa um lugar de destaque, entre os melhores
do Estado, pelo asseio, boa ordem, disciplina e excelência dos métodos e processos na administração do ensino.
Superiormente
dirigido pela distinta e proveta educadora — senhorita Umbelina Gonçalves da Cruz — e
por um corpo docente de escol, formado por normalistas que se destacaram
no magistério mineiro e que, em sua maioria, já foram galardoadas com o prêmio de viagem à Capital
do Estado, o Grupo Escolar Estevam Pinto é, pode-se afirmar, um dos melhores do Estado e nessa conta é tido pelo povo que se orgulha de tal
instituição.
Possui
um rico museu, compreendendo as seções de zoologia, botânica e mineralogia, com mais de 500 espécimes, um farto gabinete de física e química, ótimo piano, todos os apetrechos necessários ao ensino de exercícios militares, copiosa biblioteca didática e várias coleções de
sólidos geométricos, cartas murais e aparelhos destinados ao ensino intuitivo das disciplinas do programa.
A
Caixa Escolar, não obstante já haver fornecido, no corrente
ano, mais de cem uniformes e assistência médica escolar a alunos
pobres, tem um saldo de 800$.
A
matrícula atinge a 432 e a frequência média diária a 302 alunos, que se
apresentam ao estabelecimento uniformizados, com o máximo
asseio e em cujas fisionomias se lê a alegria de que se
acham possuídos.
Examinei
copiosos
trabalhos de desenho, cartografia, costura, crochet,
bordado e outros misteres
próprios do sexo feminino, bem como trabalhos de madeira, fibras, folha de
Flandres, papel, cartonagem, ferro, pirogravura, feitos nas aulas a cargo do hábil professor sr. José
Augusto Rocha.
A
Escola Normal, embora nova, pois conta apenas um ano de funcionamento,
apresenta brilhantes resultados, visto achar-se sob a direção segura do dr.
Luiz Bonifácio de Araújo,
ter sido organizada sob a orientação técnica do dr. Arnaud Gribel, a cuja competência
ficou a feitura de seu regulamento e regimento interno.
O
instituto Barão de São Geraldo, localizado em um sitio distante da cidade meio quilômetro, com
terras férteis, sob a
direção competente e dedicada do Revmo. padre Carlos Pogdere, vindo da Itália
especialmente para esse fim, se acha em organização, prometendo vir a ser,
dentro em pouco, um dos principais estabelecimentos de ensino secundário e
profissional do Estado de Minas.
A
Casa de Caridade dispõe de um prédio confortável e com todas as acomodações necessárias e está entregue aos carinhosos cuidados das irmãs de caridade Cristina e Geralda e do enfermeiro sr. José
Lagrotta. O seu médico é o conhecido facultativo
dr. José Pelegrino Pequeno; dispõe de duas enfermarias:
a dos homens e a das mulheres, ambas com leitos bons, arrumados com muita propriedade e asseio; uma boa
sala de operações e completo estojo de cirurgia vêm
prestando aos enfermos pobres das circunvizinhanças os mais
assinalados serviços.
Fundada
em 1893, pelo padre Hipólito, dr. Antônio Leite de Magalhães Pinto e outros
beneméritos cidadãos, esteve depois fechada por muitos anos, reabrindo- se de novo em 1913, graças
principalmente aos esforços do então vigário da
freguesia padre Francisco Del Gaudio.
É de
todo justo fazer ressaltar que todos os melhoramentos introduzidos em Mar de Espanha foram devidos ás modificações políticas operadas
de há sete anos a esta parte e que permitiram
ficassem os negócios municipais entregues à orientação
patriótica e progressista de homens bem intencionados e incansáveis em
beneficiar ao povo, como os srs. Estevão Pinto, Antero Dutra de Moraes, João
Maria de Miranda Manso, coronel Nunziato Schettino, coronel
José Hermenegildo da Costa Mattos, Bonifácio de Araújo e outros.
Graças à orientação
dos ilustres cidadãos de que acabamos de falar, o
município tem se desenvolvido grandemente.
A
indústria de criação é praticada em grande escala, ao lado da
agricultura, que floresce, e da indústria extrativa.
Várias
jazidas de mármore estão sendo exploradas e inicia-se agora a exploração de
areia monazítica e caulim, de que existem vários veios no
distrito da cidade.
Amanhã
irei visitar a colônia Barão de Ayuruoca,
Instituto Bueno Brandão, Posto Zootécnico e Posto
Meteorológico, de que darei aos leitores circunstanciada notícia.
10/7/1916.
João Rodrigues Moreira
Jornal "O Pharol", ANNO LI, N. 169
- Juiz de Fora, terça-feira, 18/7/1916
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