terça-feira, 12 de agosto de 2014

1916 - IMPRESSÕES DE MAR DE ESPANHA

Em um dia aprazível, uma tem­peratura de 17º à sombra, sob um céu de abril, de puríssimo azul, um dos comboios da Leopoldina Railway transporta-me em seu seio de São Pedro de Pequeri para a ci­dade de Mar de Espanha.
Quantas evocações me vem à mente de há sete anos atrás, quando essa viagem era feita a troly vagaroso, puxado por seis alimarias morosas, atulhado de passageiros, que se sujeitavam a um verdadeiro tormento de três intermináveis horas, em que os solavancos produzidos pelo veículo determinavam encontrões e acotovelamentos entre os viajantes que ficavam equimosados, quando tinham a suprema e inaudita ventura de não serem cuspidos no leito da estrada mal cuidada e cheia de barrancos...
Felizmente, tempora mutantur, uma plêiade de patriotas, a cuja vanguarda se achava o dr. Estevão Leite de Magalhães Pinto, um dos maiores benfeitores do município, a que deve o berço, levou avante a ideia, acalentada há longos anos pelo povo mardespanhense, e traduziu em realidade o sonho que o embalava, conseguindo a construção do ramal férreo, que proporciona ao visitante uma viagem cheia de comodidade e conforto, de setenta minutos apenas.
Quanta transformação se operou daquela data em diante!
Em vez do troly, puxado a bur­ros, com os inconvenientes aponta­dos, um comboio em vertiginosa car­reira, galgando serras, atravessan­do vales, como uma fera enraivecida, deitando baforadas de fumo que se evolam no espaço em plumosas espirais, soltando silvos que ecoam de quebrada em quebra­da e retumbam de montanha em montanha, arrancando as populações dos arredores da letargia em que se achavam imersas, e convi­dando-as à luta, ao trabalho, desvendando-lhe os segredos do pro­gresso, a que, n0 curto espaço de seis anos, já se têm afeito.
As terras outrora desvalorizadas, cobertas de ervas daninhas e ressequidas, hoje se ostentam ferazes, ocupadas por verdejantes culturas 0u por médioss rebanhos denotando à primeira vista o desenvolvimento, a que atingiu o povo que as habita.
A aura progressista que bafejara até aos campos era pronunciadora de grandes mutações na cidade; mas, estas ultrapassaram a minha expectativa.
A cidade, pitoresca e encanta­dora, bem pode ser comparada a um belo painel emoldurado pe­las altivas e verdejantes montanhas que a circundam, garantindo-lhe condições de grande salubridade.
É ligada à estação férrea pela Avenida Bueno Brandão, a cujo tér­mino se acha o parque Agostinho??Fortes, um dos mais belos par­ques das cidades mineiras, capri­chosamente cuidado, tendo ao cen­tro custoso coreto em que aos do­mingos bem ensaiada banda de música regala a população, fazen­do-a ouvir os belos trechos de seletos autores.
Ao fundo do parque, ergue-se artística matriz das Mercês, um dos mais suntuosos templos da Zona da Mata e cujo interior é decora­do por trabalhos verdadeiramente artísticos.
Para os diversos pontos da ci­dade partem amplas ruas, ladeadas de passeios bem conservados e edifícios dignos de nota, entre os quais o da Câmara Municipal, com uma bela fachada, cheia de colunas e ornatos, o do Fórum, grupo escolar e vários outros dão a cidade um aspecto agradável.
A limpeza é a mais rigorosa e a higiene absoluta.
Em minha pouca demorada estadia tive oportunidade de visi­ta à diversos estabelecimentos, entre outros, o grupo escolar Estevão Pinto, Instituto Barão de São Geraldo, Escola Normal e Casa de Caridade.
O grupo escolar Estevão Pinto, localizado em ponto conveniente e instalado em um prédio confortá­vel, satisfazendo a todas as exi­gências higiênico-pedagógicas, com oito salões de aula, oficina de trabalhos manuais, sala de espera, diretoria, gabinete de professoras, música e três vastos pátios para exercícios físicos e recreio dos alunos, é um estabelecimento mo­delar e que ocupa um lugar de destaque, entre os melhores do Estado, pelo asseio, boa ordem, disciplina e excelência dos métodos e processos na administração do ensino.
Superiormente dirigido pela distinta e proveta educadora — senhorita Umbelina Gonçalves da Cruz — e por um corpo docente de escol, formado por normalistas que se destacaram no magistério mineiro e que, em sua maioria, já foram galardoadas com o prêmio de via­gem à Capital do Estado, o Grupo Escolar Estevam Pinto é, pode-se afirmar, um dos melhores do Estado e nessa conta é tido pelo povo que se orgulha de tal instituição.
Possui um rico museu, compreendendo as seções de zoologia, botânica e mineralogia, com mais de 500 espécimes, um farto gabi­nete de física e química, ótimo piano, todos os apetrechos necessários ao ensino de exercícios militares, copiosa biblioteca didática e várias coleções de sólidos geométricos, cartas murais e aparelhos destinados ao ensino intuitivo das disciplinas do programa.
A Caixa Escolar, não obstante já haver fornecido, no corrente ano, mais de cem uniformes e as­sistência médica escolar a alunos pobres, tem um saldo de 800$.
A matrícula atinge a 432 e a frequência média diária a 302 alunos, que se apresentam ao es­tabelecimento uniformizados, com o máximo asseio e em cujas fisionomias se lê a alegria de que se acham possuídos.
Examinei copiosos trabalhos de desenho, cartografia, costura, crochet, bordado e outros misteres próprios do sexo feminino, bem como trabalhos de madeira, fibras, folha de Flandres, papel, cartona­gem, ferro, pirogravura, feitos nas aulas a cargo do hábil professor sr. José Augusto Rocha.
A Escola Normal, embora nova, pois conta apenas um ano de funcionamento, apresenta brilhantes resultados, visto achar-se sob a direção segura do dr. Luiz Bo­nifácio de Araújo, ter sido organizada sob a orientação técnica do dr. Arnaud Gribel, a cuja compe­tência ficou a feitura de seu regulamento e regimento interno.
O instituto Barão de São Geral­do, localizado em um sitio distan­te da cidade meio quilômetro, com terras férteis, sob a direção com­petente e dedicada do Revmo. pa­dre Carlos Pogdere, vindo da Itália especialmente para esse fim, se acha em organização, prometendo vir a ser, dentro em pouco, um dos principais estabelecimentos de ensino secundário e profissional do Estado de Minas.
A Casa de Caridade dispõe de um prédio confortável e com to­das as acomodações necessárias e está entregue aos carinhosos cui­dados das irmãs de caridade Cristina e Geralda e do enfermeiro sr. José Lagrotta. O seu médico é o co­nhecido facultativo dr. José Pelegrino Pequeno; dispõe de duas en­fermarias: a dos homens e a das mulheres, ambas com leitos bons, arrumados com muita propriedade e asseio; uma boa sala de opera­ções e completo estojo de cirurgia vêm prestando aos enfermos pobres das circunvizinhanças os mais assinalados serviços.
Fundada em 1893, pelo padre Hipólito, dr. Antônio Leite de Magalhães Pinto e outros beneméritos cidadãos, esteve depois fechada por muitos anos, reabrindo- se de novo em 1913, graças prin­cipalmente aos esforços do então vigário da freguesia padre Fran­cisco Del Gaudio.
É de todo justo fazer ressaltar que todos os melhoramentos introduzi­dos em Mar de Espanha foram devidos ás modificações políticas operadas de há sete anos a esta parte e que permitiram ficassem os negócios municipais entregues à orientação patriótica e progressista de homens bem intencionados e incansáveis em beneficiar ao povo, como os srs. Estevão Pinto, Antero Dutra de Moraes, João Maria de Miranda Manso, coronel Nunziato Schettino, coronel José Hermenegildo da Costa Mattos, Boni­fácio de Araújo e outros.
Graças à orientação dos ilustres cidadãos de que acabamos de fa­lar, o município tem se desenvol­vido grandemente.
A indústria de criação é pratica­da em grande escala, ao lado da agricultura, que floresce, e da indústria extrativa.
Várias jazidas de mármore estão sendo exploradas e inicia-se agora a exploração de areia monazítica e caulim, de que existem vários veios no distrito da cidade.
Amanhã irei visitar a colônia Barão de Ayuruoca, Instituto Bueno Brandão, Posto Zootécnico e Pos­to Meteorológico, de que darei aos leitores circunstanciada notícia.
10/7/1916.
João Rodrigues Moreira


Jornal "O Pharol", ANNO LI, N. 169
- Juiz de Fora, terça-feira, 18/7/1916

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