quinta-feira, 14 de agosto de 2014

1918 - LITERATURA MINEIRA



LITERATURA MINEIRA

A Brasileia em seu último número insere um artigo sobre a literatura de Minas, firmado pela pena do poeta Mario Mendes Campos, que, embora apanhando apenas em instantâneo uma perspectiva do movimento intelectual do Estado, já vale entretanto alguma coisa, diante do absoluto mutismo em que se costuma manter a imprensa da metrópole brasileira em relação às letras e aos escritores por ela depreciativamente apelidados de provincianos. Os membros da federação não tem o direito de cultivar urna literatura e muito menos de falar de semelhante coisa privativa dos moços que estacionam às portas das livrarias e se chumbam às mesinhas dos cafés da Avenida e da rua do Ouvidor, em palestra sobre o primor artístico e literário da crônica elegante e mundana que, na sua primeira página, trouxe o jornal da manhã. Enquanto isto, e quais novos Pangloss, os tais moços continuam a achar que tudo vai no melhor dos mundos possíveis em coisas que afetam à literatura nacional, que para eles está toda ali, concretizada no trocadilho, na xicrinha de café e nas baforadas da fumaça do cigarrinho da Londres, de nada valendo os homens que estudam e trabalham no Amazonas, no Rio Grande do Sul, em Minas ou em Sergipe, por exemplo. Tudo isso e os intelectuais sérios que residem no Rio formam o rebotalho da vida da inteligência brasileira. Historiadores, publicistas, romancistas, poetas, jornalistas, juristas, médicos, homens de ciência, professores, todos, enfim, quantos escrevem e que estão enquadrados na literatura, tomado o vocábulo na lata acepção que lhe dão os tedescos, estes, só pelo fato de viverem na província, são considerados no ostracismo das boas letras.
É verdade que a injustiça não é praticada por todos, mas parte exatamente do elemento predominante, dos audaciosos, dos aventureiros, dos cabotinos, que proliferam impunes.
Infelizmente muitos destes tem entrado nas redações de alguns jornais, escrevem, fazem crítica, destroem reputações consagradas e criam ídolos a seu bel-prazer. Eis porque raramente aparecem no Rio estudos sobre livros e autores residentes nos Estados. A crítica em geral não se ocupa deles porque não os lê, uma vez que eles não contam com o buzinar da imprensa.
A crítica deve ser um tribunal de primeira instância. Ela julga o que é bom e útil para recomendar. Assim é em toda parte. No Brasil ela se tornou uma espécie de juiz ad quem, e como tal, só julga os livros e autores que já obtiveram qualquer sentença do juiz  ou tribunal inferior, constituído pelos noticiaristas, que, por felicidade inaudita, só de raro em raro passam pelo dissabor de ver reformadas as suas decisões. Esta é a grande verdade que confirma a opinião dos que asseveram que não temos critica.
Sem o batismo dos noticiaristas não podem receber os livros e escritores o sacramento da confirmação ministrado pelos críticos. Repelidos pelo noticiário, como soe acontecer ás mais das vezes ficam, conseguintemente, sem crítica os trabalhos dos escritores da província.
Compreendendo isso, foi que o ilustrado Carlos Góes, há tempos, propôs na Academia Mineira de Letras a constituição de uma federação literária que facilitasse o intercâmbio intelectual das unidades da grande federação brasileira. A proposta do distinto acadêmico não encontrou, porém, terreno amanhando para medrar e frutificar.
Ruminando todas estas considerações durante a leitura do trabalho de Mario Mendes Campos, trabalho aliás consciencioso, posto que deficiente, o que é desculpável e mesmo natural num rápido artigo sobre assunto tão vasto, pensando em tudo isso, ainda mais triste se, me afigurou o quadro do desprezo em que jaz a vida mental dos Estados.
Mario Mendes Campos é mineiro, vive em Minas, é dos nossos e não pode ser levado a sério pelos pimpolhos e pelos medalhões que preponderam na esquina do Watson.
Fez bem, entretanto, o distinto poeta em publicar o seu artigo numa revista do Rio, aliás interessada na propaganda dos escritores que estão atirados à margem.
Todos aqui nos conhecemos mais ou menos bem. A nossa critica precisa estender-se fora das fronteiras de Minas, estudando cientistas como Costa Senna, Eduardo de Menezes, Álvaro da Silveira; historiadores como Diogo de Vasconcelos, Nelson da Senna; polígrafos como Lindolfo Gomes, João Massena, Carlos Góes; escritores como d. Silvério Gomes Pimenta, José Rangel, d. Joaquim Silvério de Souza, José Eduardo da Fonseca, Navantino Santos, Dilermando Cruz, Pinto de Moura, Amanajós de Araújo, Silva Guimarães, Carvalho Brito; romancistas como João Lúcio, Aldo Delphino, Avelino Foscolo; poetas como Augusto de Lima, Mendes de Oliveira, Mario de Lima, Franklin Magalhães, Machado Sobrinho,
Bento Ernesto Junior, Carmo Gama, Alphonsus de Guimarães, Plínio Motta, Olympio de Araújo, Belmiro Braga Arduino Bolívar, Paulo Brandão, J. Paixão, Luiz de Oliveira, Lycidio Paes; jornalistas como Estevam de Oliveira, Heitor Guimarães, J. Nogueira Itagyba, Eloy de Andrade, Mario Magalhães, Gilberto de Alencar, Albino Esteves, Aguiar Junior, José Eutropio, Luiz Lucio, Carlindo Lellis e tantos outros.
Mario Mendes Campos iniciou este trabalho e merece o aplauso de todos
O que é necessário é não esmorecer, fora do Estado, a crítica de escritores mineiros ou pelo menos a notícia das produções, dos livros que forem aparecendo, para que estes sejam procurados e lidos por todo o país.
Quantos livros, quantos trabalhos bons não ultrapassaram sequer o conhecimento regional, por carência de quem os estudasse com interesse de auxiliar a sua divulgação!
Esse obstáculo deve ser removido. A literatura mineira contemporânea precisa ser conhecida e estudada para que se saiba que o Estado não está alheio ás lides da inteligência e ás belezas da arte.
Críticos não nos faltam. Que eles tomem sobre os ombros essa tarefa que o poeta dos Estalactites, com felicidade, iniciou.

ALMEIDA MAGALHÃES


Fonte: 
Jornal "O Pharol", ANNO LIII, N. 55
Juiz de Fora, quinta-feira, 7 de março de 1918

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